terça-feira, março 05, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 38

O pai de Ruth já lhe dissera que, assim que pudesse sustentar a esposa, viesse pedir a menina. Era do seu gosto, isso era. Mas podendo sustentá-la. Para deixá-la morrer de fome, não!

Ricardo arrancava os cabelos, desesperado.

 - Eis como a Felicidade chega ao alcance da gente e se deixa fugir… Que desgraça!

Pedro Ticiano rogava pragas:

 - Queiram os céus que você não arranje dinheiro. Só assim você evitará ser infeliz… O casamento não lhe dará a Felicidade, Ricardo.

 - Infeliz, eu? Eu me conheço bem, Pedro.

 - Mas eu lhe conheço melhor ainda…


A preocupação agora envolvia-os quase completamente. Ricardo todo entregue a Ruth. Paulo Rigger só pensava em Maria de Lourdes. José Lopes, lendo cada vez mais, enterrado entre os livros de filosofia, via uma luta intensa. Dividia-se entre o instintivismo e espiritualismo. Procurava os amigos para discutir, livrar-se daquele peso. Mas os amigos pouco apreciam. Entregues ao amor, mal vinham à redacção fazer às pressas as suas notas.

Pedro Ticiano estava insuportável. Cada vez mais blagueur, respondera-lhe quando falara sobre o assunto.

 - O espiritualista não conhece o espírito, e o materialista não conhece a matéria. A atitude da dúvida é a única atitude.

Você vê toda a confusão moderna. Pois eu, o céptico, me envolvo nela, sinto-a, mas, entretanto, ela não me vence.

 - Mas você não se sente inquieto? Não sente a falta de alguma coisa?

 - Sinto-me inquieto, sinto a dúvida. Mas, ao contrário de vocês, eu não procuro solução para esta inquietação e para esta dúvida. Ao contrário, faço dela o fim da minha vida. Nela consiste a minha Felicidade. No dia em que deixar de duvidar, quando tiver uma certeza, ser-me-á impossível viver.

 - Isso tudo já é velho, Ticiano, A sua geração endeusou a dúvida. A minha a combate.

 - O que não quer dizer senão que a minha geração foi muito superior à de vocês.

 - O caso das nossas gerações é o mesmo é o mesmo que o da literatura de antes e de depois da Guerra… Uma literatura de frases, a outra, literatura de ideias.

 - Não é assim. Mas, mesmo que fosse, eu ficaria com a literatura de antes da Guerra. Eu, quando leio um artigo, não quero saber se o seu autor tem ou não boas ideias, se é ou não útil. O que eu quero saber logo é se ele é ou não escritor, se escreve bem ou mal.

Mas a verdade é que a literatura anatoliana tinha também ideias. Dava soluções. Mandava que se duvidasse sempre. É ou não uma solução? Colocava a Beleza acima de todas as coisas. Vocês aceitam Deus porque Deus é útil. Nós o negávamos porque achávamos que ele não satisfazia o nosso ideal estético.

Vocês eram terrivelmente egoístas. Ególatras, às vezes.

 - E vocês praticam o Egoísmo na sua forma mais torpe: o humanitarismo. Nós queríamos a aristocracia do talento, do espírito. Vocês hoje pleiteiam a aristocracia da força. Vocês fazem com que a inteligência abra falência… Só a cultura fica valendo alguma coisa. Porque só a cultura é útil.

 - Mas vocês foram fracassados.

 - Sim porque toda a vitória na vida é um fracasso na arte…

- Já passou a época dos paradoxos, Ticiano.

 - É verdade. E chegou a das citações.

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