DO
CARNAVAL
CARNAVAL
Episódio Nº 46
Andaram muito tempo na rua
sem pronunciarem uma palavra. Ele temia a revelação que Maria de Lourdes
prometera fazer. Ela não se sentia com coragem para lhe contar tudo. Ele criou
ânimo:
- Conte, noivinha…
Soluçando baixinho, ela
contou. Não era mais moça. Disse-lhe do seu amor por Osvaldo e, como ingénua,
se lhe entregara sem saber o que fazia. Digna de perdão. Mas não lhe contara
ainda porque tinha medo de que ele não a perdoasse. Perdoaria?
Ele, numa monstruosa
volúpia de sofrer, fê-la narrar tudo nos mínimos detalhes.
Sentiu que as luzes da
cidade se apagavam aos poucos. E aos poucos, na sua alma ia vencendo a treva. A
Felicidade fugia. Estava toda escura a cidade.
Maria de Lourdes
dependurou-se-lhe no pescoço, mordendo-lhe nos lábios. A luz voltou
violentamente para as lâmpadas eléctricas. Mas a alma de Paulo Rigger
continuava em trevas.
Disse como um ébrio:
- Vamos…
Acompanhou-a até casa.
Deixou-a no patamar da escada, chorando.
E saíu aspirando o ar com
força, numa vontade doida de esmurrar os transeuntes, de cuspir na cara das
mulheres, de dizer palavras feias…
Os amigos estranharam-lhe
o rosto.
Perguntaram-lhe o que
tinha. “Nada, nada. Que o deixassem, pelo amor de Deus.” Pediu cachaça à
garçonete. Bebeu muito. E pelo fim da noite, chorando de raiva, contou a sua
infelicidade aos amigos.
- E agora, o que você vai
fazer? – perguntou Jerónimo.
- Sei lá! Sei lá! Tenho
cabeça para pensar?... Nem quero pensar o que farei!
Ricardo achava que o
melhor que ele fazia era casar. A melhor resolução. Maria de Lourdes devia ser
sincera. Ele casasse. Não era tão anti-convencional?
- A gente não pode vencer
a convenção assim tão facilmente – objectou José Lopes. – Ela trás a força de
dezanove séculos de vida!
É uma herança terrível…
- Você tem razão, José. Eu não posso vencer a
convenção. Sinto que ela é digna do meu amor, mas sou incapaz de casar com ela.
Animal que sou, deixo fugir a minha Felicidade…
Acompanharam-no a casa.
Ricardo Braz ficou para dormir com ele. Podia querer fazer uma loucura à noite…
Conversaram todo o resto
da noite. Paulo Rigger decidira-se a procurar no outro dia Maria de Lourdes e
casar-se. Por que não?
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