DO
CARNAVAL
Episódio Nº 49
Mas se eu não me suicidei
(com que tristeza o confesso, Ricardo) é porque não tive coragem. Todas as
vezes que encostei o cano de revólver ao ouvido, a minha mão tremeu. Não tive
coragem, fui covarde. Por, isso ainda vivo e ainda sofro.
Mas você, se esquecer que
é um artista, um poeta antes de tudo, integrando-se na sua profissão de
advogado, poderá ser feliz.
Resolva o seu caso
sozinho, Ricardo, ouvindo apenas a sua ânsia de felicidade.
Daqui
a dias estarei aí, para aplacar a fúria do Gomes, com sensacionais entrevistas.
Releu a carta: Notou que
escrevera Ela com E maiúsculo. Riscou. E escreveu ela. “Não merece mais que um
e pequeno” E olhando da janela o mar brincalhão, estudava o caso de Ricardo
Braz.
- Coitado! Talvez seja
infeliz. Talvez seja feliz. Que tente. Sempre é uma grande coisa tentar ser
feliz. Eu nem isso fiz, imbecil que fui…
Com o jantar vieram os
jornais da noite.
Paulo Rigger filosofou:
- Só o estômago não tem nada a ver com as
nossas tragédias. Continua a exigir comida da mesma maneira.
Achava que a consciência
andava de acordo com o estômago. E garantia a si mesmo.
- Um rico homem ladrão deita-se com o estômago
satisfeito e dorme o sono mais inocente filho de Deus. Mas o pobre, que foi para
a cama a dar horas, esse desgraçado não conseguirá conciliar o sono, com
remorso de não ter roubado…
E se atirou ao jantar.
Leu os jornais. O povo
estava aborrecido, porque o Governo não queria dar aos clubes carnavalescos a
“ajuda” da praxe.
Paulo riu:
- País do Carnaval! País do Carnaval! Eu se
fosse Presidente ou Ditador, decretaria um carnaval de 365 dias… Adorar-me-iam…
As luzes, na cidade,
plagiavam as estrelas. Uma grande lâmpada eléctrica metia inveja à Lua.
Anúncios luminosos ensinavam remédios aos doentes ricos.
Passavam automóveis. Gente
rica que ia aos teatros…
- Uma esmola por amor de Deus!
A mulher magra,
cadavérica, tuberculose ambulante, amamentava o filho pequenino. A fome sambava
nas suas faces.
Paulo Rigger deu-lhe uma
nota, numa grande ansiedade de ser bom.
Os grandes automóveis
continuavam a passar.
Deus lhe faça muito feliz…
lhe pague em Felicidade…
- Impossível, minha irmã! A infelicidade
nasceu comigo e só a morte me livrará dela…
- Quem não tem fome não conhece a
infelicidade, meu senhor.
O anúncio de um remédio
aproveitava a frase de Cristo: “Nem só de pão vive o homem. Tomai “Forçol”.
Paulo Rigger repetiu:
- Nem só de pão vive o homem… Mas onde
encontrar a Felicidade para tomar?
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