DO
CARNAVAL
Episódio Nº 55
No quarto imundo da pensão
barata, José Lopes pôs em dia os originais do romance. Sem título ainda.
Vasculhou o cérebro atrás de um. Escreveu: - “Os Doentes de Insatisfação”. Leu.
Não gostou. Riscou e voltou a escrever: - “Os Mendigos da Felicidade.”
Na última página, em vez
do clássico Fim, lia-se Terminou. José Lopes sorriu. Passou o lápis sobre o
Terminou. Substituiu por Principiou. Ficou cismando de que ninguém começava.
Principiava a tragédia de todo o dia…
- Aliás, pensava José Lopes – o romance não
era compreendido. Quem o ler não entenderá. É a história de poucas almas. Nem o
físico dos meus personagens compreenderia que, só depois de terminado o livro,
de terminadas as experiências, de desiludidos todos de encontrar o sentido da
vida… Eles só têm sentimentos…
Isso mesmo repetiu o Paulo
Rigger, quando a caminho da tipografia.
- Falta no meu romance o sentido de
humanidade. É inteiramente pessoal. A nossa vida… Ninguém ligará para ele…
- Sinal de que é um bom livro.
Quando deixaram a
tipografia, era noite. A tarde morrera sem clamor, a repetir o que na véspera
fizera e o que faria no dia seguinte.
Numa igreja rezavam. A
oração se elevava como uma súplica, uma grande súplica.
- Eu não sou ainda um “mendigo da Felicidade”,
José… se fosse já estaria ali a rezar…
- A religião é ridícula.
Entretanto, eu sinto uma necessidade enorme de crer…
- E por que não se converte?...
- Eu não me converterei. Talvez chegue à
religião. Se chegar muito bem…
- Você chegará a tomista…
- Sim, encontrarei as bases da religião.
- Eu acho, como Ricardo, que só as coisas
naturais satisfazem. Só o instinto nos pode levar à religião. A religião não
pode ser explicada, tem que ser sentida. O instintivismo, que não tem nada de materialismo
como você vê, é que me poderá levar à religião…
- À qual? À de Freud?
- Não. À de Cristo. Mas à de Cristo sem
artifícios…
- Você está a fazer
blagues… Já passou esse tempo…
- Não. Eu estou a ser sincero…
O romance de José Lopes
não fez sucesso. Pouca gente leu. Os críticos não falaram dele. A edição ficou
nas livrarias. E ninguém compreendeu o grito de desespero que havia naquele
livro. Os católicos achavam que o livro atacava a religião. Os materialistas
diziam que os heróis do livro marchavam para o catolicismo. Os inimigos de José
Lopes espalharam que o livro era comunista.
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