sexta-feira, março 29, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 59


Dois anos de Brasil… E, afinal, o que ganhara ao voltar à pátria? Todos os seus projectos tinham ruído. Não entrara na política, não fizera advocacia. Aqueles meses de jornalismo não lhe tinham dado nome. Perdera apenas o cepticismo que trouxera da França e ficara um inquieto… E, demais, nunca se identificara com o seu povo.

Afastava-se cada vez mais dele. Olhou para os lados. Junto a um poste um cartaz exibia dizeres em grossas letras vermelhas:

 - Augusto, vamos ver o que é aquilo.

O chofer aproximou o carro. Rigger leu:

“Hoje – GRANDE COMÍCIO – Hoje no Terreiro

O major Carlos Frias falará sobre o actual Governo, fazendo a sua crítica. Discursos de alguns académicos pedindo a volta do País ao regime constitucional”

Paulo Rigger espantou-se:

 - Que povo! Fez outro dia uma revolução e meses depois quer combater essa revolução! Que carnaval! E aquele major! Quando eu cheguei aqui, ele estava saudando os caravaneiros liberais em nome das prostitutas da Bahia. Hoje, ataca os revolucionários. Isso é mania de fazer discurso… País do Carnaval…

E o carro rodava sobre o asfalto molhado.



Jerónimo Soares encolheu-se no fundo da cama. Conceição toda devotadamente, queria saber o que significava aquilo.

 - Nada, menina, nada.

Ela encostou-se. Beijou-lhe os olhos.

 - Está zangado comigo, filhinho?

 - Não. Mas me deixe em paz.

Ela ficou a fitá-lo, a pergunta parada nos olhos e na boca.

E Jerónimo, no fundo da cama, silencioso. Acontecia aquilo toda a vez que ia visitar Ticiano. Pedro, que sentia estar Jerónimo se afastando cada vez mais dele, ridicularizava todas as coisas ideais deste e do outro mundo.

 - Porque, afinal, o amor é uma idiotice. Não acha, Jerónimo?

A gente querer bem a outra pessoa que não nos pode dar senão o sexo… E o sexo, na rua, se aluga por qualquer preço. O amor é uma idiotice de românticos poéticos esfomeados. Idiotice sem originalidade alguma. E só deve ter valor o que traz o selo da originalidade.

Amar uma hindu que antes de se entregar deite sobre facas pontiagudas ou viver com uma cigana que nos sustente e nos conduza pelo mundo, sem pátria e sem Deus…

Eu adoro os ciganos, mesmo porque eu sou um cigano intelectual. Mas arriar uma mulher medíocre, igual às mulheres que sempre existiram, bonitinha apenas, que pesa o amor, só o praticando quando ele é virtude garantida pela Igreja, uma mulher sem muitos vícios, sem degenerescências, é medíocre. Só os homens comuns amam mulheres assim….  

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