DO
CARNAVAL
Episódio Nº 59
Dois anos de Brasil… E,
afinal, o que ganhara ao voltar à pátria? Todos os seus projectos tinham ruído.
Não entrara na política, não fizera advocacia. Aqueles meses de jornalismo não
lhe tinham dado nome. Perdera apenas o cepticismo que trouxera da França e
ficara um inqui eto… E, demais, nunca
se identificara com o seu povo.
Afastava-se cada vez mais
dele. Olhou para os lados. Junto a um poste um cartaz exibia dizeres em grossas
letras vermelhas:
- Augusto, vamos ver o que é aqui lo.
O chofer aproximou o carro.
Rigger leu:
“Hoje – GRANDE COMÍCIO –
Hoje no Terreiro
O major Carlos Frias
falará sobre o actual Governo, fazendo a sua crítica. Discursos de alguns
académicos pedindo a volta do País ao regime constitucional”
Paulo Rigger espantou-se:
- Que povo! Fez outro dia uma revolução e
meses depois quer combater essa revolução! Que carnaval! E aquele major! Quando
eu cheguei aqui , ele estava saudando
os caravaneiros liberais em nome das prostitutas da Bahia. Hoje, ataca os
revolucionários. Isso é mania de fazer discurso… País do Carnaval…
E o carro rodava sobre o
asfalto molhado.
Jerónimo Soares
encolheu-se no fundo da cama. Conceição toda devotadamente, queria saber o que
significava aqui lo.
- Nada, menina, nada.
Ela encostou-se.
Beijou-lhe os olhos.
- Está zangado comigo, filhinho?
- Não. Mas me deixe em paz.
Ela ficou a fitá-lo, a
pergunta parada nos olhos e na boca.
E Jerónimo, no fundo da
cama, silencioso. Acontecia aqui lo
toda a vez que ia visitar Ticiano. Pedro, que sentia estar Jerónimo se
afastando cada vez mais dele, ridicularizava todas as coisas ideais deste e do
outro mundo.
- Porque, afinal, o amor é uma idiotice. Não
acha, Jerónimo?
A gente querer bem a outra
pessoa que não nos pode dar senão o sexo… E o sexo, na rua, se aluga por
qualquer preço. O amor é uma idiotice de românticos poéticos esfomeados.
Idiotice sem originalidade alguma. E só deve ter valor o que traz o selo da
originalidade.
Amar uma hindu que antes
de se entregar deite sobre facas pontiagudas ou viver com uma cigana que nos
sustente e nos conduza pelo mundo, sem pátria e sem Deus…
Eu adoro os ciganos, mesmo
porque eu sou um cigano intelectual. Mas arriar uma mulher medíocre, igual às
mulheres que sempre existiram, bonitinha apenas, que pesa o amor, só o
praticando quando ele é virtude garantida pela Igreja, uma mulher sem muitos
vícios, sem degenerescências, é medíocre. Só os homens comuns amam mulheres
assim….
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