BAHIA |
O PAÍS
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 73
A farmácia, eterno lugar
comum das vilas brasileiras, reunião de conversadores: o coronel – prefeito, o
médico, o professor, o juiz, o rábula, seu Leocádio dos Correios, toda a gente
grada da terra.
O armazém que vende até
sedas, a loja que expõe nas suas vitrinas, nos dias de feira, carne de carneiro
e gordas galinhas baratíssimas.
A larga rua grande onde se
localiza a Prefeitura e onde reside o médico. A Praça da Matriz, onde se
levantam a casa dos privilegiados. Só os homens eminentes da cidade moram ali.
E mais algumas ruas, pequenas, estreitas, de poucas casas com muita gente.
Nos confins da cidade,
três casas onde vivem raras rameiras. Uma ausência absoluta de novidade. Cinema
às qui ntas, sábados e domingos. Moças
que fazem renda (ainda há moças que fazem renda) sentadas à porta da casas.
Todos se conhecem, falar
da vida alheia é uma arte. Difícil arte, da qual é campeão sem rival D.
Felismina, esposa do Juca Carpinteiro. Cidade onde até os menores têm personalidade.
Poucos rapazes, muitas moças. Uma pureza romântica à 1830.
Somente alguns rapazes
conhecem mulheres. É que poucos já completaram vinte e um anos, idade em que os
pais lhes permitem se desvirginem. É o Brasil na sua pureza maior!
A poesia dos cocos, ainda
dançados nas casas mais ricas (D. Risoleta, a filha do Prefeito, que viera do
estudo na capital, ridicularizava os cocos. Tocava músicas novas, bárbaras, ao
piano. O povo, em represália, vingativo chamava-a de doida…)
O vigário com ar paternal
que abençoa a todos, bom vigário, pai de qui nze
filhos que já lhe deram alguns netos. O primitivismo e a beleza de uma
religião, cheia de superstições, mais africana do que latina.
A conversa invariável da
farmácia, todo o dia, das oito ao meio – dia, da uma às sete da tarde. Jogar
dama na porta de casa rodeado de curiosos, gozadores dos bons lances (seu
capitão Teodoro era um bicho no jogo da dama!). Os raros casamentos dos rapazes
que não emigravam para São Paulo em busca de fortuna e da vida.
Pouca novidade, muito
pitoresco. Feliz cidadezinha onde as moças não lêem Pitigrilli e não bolinam
nos cinemas. Onde se pensa em casamento. Cidade em que Floriano Peixoto é
adorado e se acredita que a Inglaterra teme o Brasil (“Quando vier a guerra com
a Argentina…”) – e o Sr. Capitão Teodoro larga a dama e descreve futuras
façanhas).
Onde os rapazes não sofrem
de blenorragia e para quem as prostitutas são divindades inacessíveis. Ainda
parece incrível, há amor nessa cidade. Amor puro, sem desejos. (Como aquela a
quem a gente ama não se tem pensamentos impuros. Eis um meio infalível de se
conhecer quando se adora verdadeiramente, segundo os rapazes dessa cidade…)
- A bênção, seu vigário…
- Deus o abençoe, meu filho.
Em plena rua, um rapagão
dos seus dezoito anos, mão estendida, a receber com o maior respeito, a bênção
do representante do céu. Grande poesia deliciosamente ridícula do interior do
Brasil…
E, lá no fundo, a redacção
de “O Cravo”, fechado por falta de notícias e de redactor…
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