segunda-feira, abril 15, 2013

BAHIA

O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 73


A farmácia, eterno lugar comum das vilas brasileiras, reunião de conversadores: o coronel – prefeito, o médico, o professor, o juiz, o rábula, seu Leocádio dos Correios, toda a gente grada da terra.

O armazém que vende até sedas, a loja que expõe nas suas vitrinas, nos dias de feira, carne de carneiro e gordas galinhas baratíssimas.

A larga rua grande onde se localiza a Prefeitura e onde reside o médico. A Praça da Matriz, onde se levantam a casa dos privilegiados. Só os homens eminentes da cidade moram ali. E mais algumas ruas, pequenas, estreitas, de poucas casas com muita gente.

Nos confins da cidade, três casas onde vivem raras rameiras. Uma ausência absoluta de novidade. Cinema às quintas, sábados e domingos. Moças que fazem renda (ainda há moças que fazem renda) sentadas à porta da casas.

Todos se conhecem, falar da vida alheia é uma arte. Difícil arte, da qual é campeão sem rival D. Felismina, esposa do Juca Carpinteiro. Cidade onde até os menores têm personalidade. Poucos rapazes, muitas moças. Uma pureza romântica à 1830.

Somente alguns rapazes conhecem mulheres. É que poucos já completaram vinte e um anos, idade em que os pais lhes permitem se desvirginem. É o Brasil na sua pureza maior!

A poesia dos cocos, ainda dançados nas casas mais ricas (D. Risoleta, a filha do Prefeito, que viera do estudo na capital, ridicularizava os cocos. Tocava músicas novas, bárbaras, ao piano. O povo, em represália, vingativo chamava-a de doida…)

O vigário com ar paternal que abençoa a todos, bom vigário, pai de quinze filhos que já lhe deram alguns netos. O primitivismo e a beleza de uma religião, cheia de superstições, mais africana do que latina.

A conversa invariável da farmácia, todo o dia, das oito ao meio – dia, da uma às sete da tarde. Jogar dama na porta de casa rodeado de curiosos, gozadores dos bons lances (seu capitão Teodoro era um bicho no jogo da dama!). Os raros casamentos dos rapazes que não emigravam para São Paulo em busca de fortuna e da vida.

Pouca novidade, muito pitoresco. Feliz cidadezinha onde as moças não lêem Pitigrilli e não bolinam nos cinemas. Onde se pensa em casamento. Cidade em que Floriano Peixoto é adorado e se acredita que a Inglaterra teme o Brasil (“Quando vier a guerra com a Argentina…”) – e o Sr. Capitão Teodoro larga a dama e descreve futuras façanhas).

Onde os rapazes não sofrem de blenorragia e para quem as prostitutas são divindades inacessíveis. Ainda parece incrível, há amor nessa cidade. Amor puro, sem desejos. (Como aquela a quem a gente ama não se tem pensamentos impuros. Eis um meio infalível de se conhecer quando se adora verdadeiramente, segundo os rapazes dessa cidade…)

 - A bênção, seu vigário…

 - Deus o abençoe, meu filho.

Em plena rua, um rapagão dos seus dezoito anos, mão estendida, a receber com o maior respeito, a bênção do representante do céu. Grande poesia deliciosamente ridícula do interior do Brasil…

E, lá no fundo, a redacção de “O Cravo”, fechado por falta de notícias e de redactor… 

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