DO
CARNAVAL
Episódio Nº 72
Conceição, os sentidos
satisfeitos, jogou-se para um lado. As pernas abertas, estiradas, na serenidade
de quem pôs a carne em
dia. Jerónimo puxou a coberta até ao pescoço e dispôs-se a
dormir.
Mas não perdera de todo o
vício de conversar consigo mesmo, vício que herdara do convívio com Pedro
Ticiano. E, antes de entregar-se ao sono entregou-se aos pensamentos.
Afinal, ele não traíra os
amigos. O próprio Ticiano dizia não haver defeitos nem virtudes. A questão se
resumia em saber cultivar suas virtudes como defeitos ou em rebaixar os
defeitos a virtudes.
As suas virtudes eram os
seus motivos de prazer. Demais, todos os outros haviam tentado a Felicidade.
Fracassaram, ele vencera.
E julgava, na sua
ingenuidade, que fora apenas uma questão de sorte. Não se recordará nunca mais
da frase de Ticiano: “Só os burros e os cretinos conseguem a Felicidade…”
O pior era aquela coisa
que lhe faltava. Achado aqui lo
viveria feliz toda a existência. Que coisa seria?
- Nada – procurava convencer-se – não me falta
nada. Isso é o resto da influência do pessoal. O sono começava a pesar-lhe nas
pálpebras Encolheu-se mais e dormiu.
Teve um sonho estranho.
Recordou, no sonho, aquela noite em que viera da casa de Ticiano irritado.
Fizera Conceição arrancar da cabeceira da cama a imagem de Santo António.
Ela, por sinal chorara
muito…
Acordou sobressaltado. E
resolveu o problema. O que lhe faltava era a fé, a religião. Sim, talvez Deus.
Alegre, sacudiu
Conceição..
- Conceição! Amor, acorde!
A rapariga despertou estremunhada.
- Que é Jerónimo?
Sabe que amanhã é preciso
ir à missa?
- Hã?
Espantou-se. Fez uma cara
de aborrecimento (acordá-la para bulir com ela), virou-se para o outro lado e
voltou a ressonar.
- O jeito é ir mesmo…
Jerónimo benzeu-se, cobriu
a cabeça com os lençóis e dormiu o primeiro sono inteiramente feliz da sua
vida…
Os caixeiros-viajantes que
se aventuravam a romper até àquela cidadezinha do interior do Piauí deitavam
opinião sobre ela:
- Cidade sem vida, sem movimento, de gente
tola.
Tinham razão os “cometas”.
Muita razão. A cidade tipo do norte do Brasil, aquela. Falta de movimento.
Pequeno comércio entregue a árabes espertos.
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