sábado, abril 13, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 72

Conceição, os sentidos satisfeitos, jogou-se para um lado. As pernas abertas, estiradas, na serenidade de quem pôs a carne em dia. Jerónimo puxou a coberta até ao pescoço e dispôs-se a dormir.

Mas não perdera de todo o vício de conversar consigo mesmo, vício que herdara do convívio com Pedro Ticiano. E, antes de entregar-se ao sono entregou-se aos pensamentos.

Afinal, ele não traíra os amigos. O próprio Ticiano dizia não haver defeitos nem virtudes. A questão se resumia em saber cultivar suas virtudes como defeitos ou em rebaixar os defeitos a virtudes.

As suas virtudes eram os seus motivos de prazer. Demais, todos os outros haviam tentado a Felicidade. Fracassaram, ele vencera.

E julgava, na sua ingenuidade, que fora apenas uma questão de sorte. Não se recordará nunca mais da frase de Ticiano: “Só os burros e os cretinos conseguem a Felicidade…”

O pior era aquela coisa que lhe faltava. Achado aquilo viveria feliz toda a existência. Que coisa seria?

 - Nada – procurava convencer-se – não me falta nada. Isso é o resto da influência do pessoal. O sono começava a pesar-lhe nas pálpebras Encolheu-se mais e dormiu.

Teve um sonho estranho. Recordou, no sonho, aquela noite em que viera da casa de Ticiano irritado. Fizera Conceição arrancar da cabeceira da cama a imagem de Santo António.

Ela, por sinal chorara muito…

Acordou sobressaltado. E resolveu o problema. O que lhe faltava era a fé, a religião. Sim, talvez Deus.

Alegre, sacudiu Conceição..

 - Conceição! Amor, acorde!

 A rapariga despertou estremunhada.

 - Que é Jerónimo?

Sabe que amanhã é preciso ir à missa?

 - Hã?

Espantou-se. Fez uma cara de aborrecimento (acordá-la para bulir com ela), virou-se para o outro lado e voltou a ressonar.

 - O jeito é ir mesmo…

Jerónimo benzeu-se, cobriu a cabeça com os lençóis e dormiu o primeiro sono inteiramente feliz da sua vida…


Os caixeiros-viajantes que se aventuravam a romper até àquela cidadezinha do interior do Piauí deitavam opinião sobre ela:

 - Cidade sem vida, sem movimento, de gente tola.

Tinham razão os “cometas”. Muita razão. A cidade tipo do norte do Brasil, aquela. Falta de movimento. Pequeno comércio entregue a árabes espertos.

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