quarta-feira, abril 24, 2013

Maria João Rodrigues

Ninguém tem o monopólio da razão nem do amor ao país

 Apenas dois anos depois da crise de 2011, vive-se, de novo, um momento de grande instabilidade política. A meio do seu mandato, o Governo tem sérias dificuldades em governar, não consegue entendimentos com os partidos da oposição e com os parceiros sociais, enfrenta o descontentamento da população e a avaliação negativa por líderes políticos e comentadores. Apesar do apoio da maioria parlamentar, sucedem-se as dificuldades na coligação e na coordenação política que ameaçam o Governo de desintegração ou de implosão.

Muitos se perguntam se o mandato será concluído, havendo já quem peça eleições antecipadas ou um Governo de iniciativa presidencial.
É normal existirem governos que não chegam ao fim da legislatura e não cumpram os quatro anos de mandato previstos na lei, mas não é desejável. Sobretudo quando isso acontece de forma repetida e consecutiva, deixando de ser exceção e passando a regra. Na atual conjuntura, não é desejável também porque, todos o sabemos, do processo de eleições antecipadas não sairá uma solução de estabilidade governativa.
Teremos de novo o PS e o PSD como partidos mais votados e o CDS, o PCP e o BE como partidos com expressão minoritária. Estaremos a decidir sobre se o primeiro-ministro deve ser o líder do PS ou o do PSD, não sobre a composição da coligação necessária para responder aos desafios da situação atual.
Qualquer resultado exigirá uma negociação envolvendo, pelo menos, o PS, o PSD e o CDS. Ora, não há qualquer razão para acreditar que, após eleições antecipadas, será possível, com os mesmos líderes partidários, construir os entendimentos que nos últimos dois anos foram impossíveis. O mais provável será, pelo contrário, o país entrar numa espiral de ingovernabilidade e de instabilidade política, semelhante aquela em que a Itália já se encontra.
Não são eleições antecipadas que nos podem salvar. O que nos pode salvar é um entendimento entre partidos políticos, concertado com os parceiros sociais, em torno da identificação clara dos principais problemas do país e da forma de os resolver.
Para enfrentar a crise, há os que consideram que deve ser dada prioridade aos problemas financeiros, não havendo, neste momento, outra coisa a fazer senão reduzir o défice e a dívida a qualquer preço. Outros consideram que a prioridade deve ser atribuída às questões económicas e sociais, devendo-se, neste momento, centrar a intervenção pública na promoção do crescimento económico.
Outros, ainda, reclamam a urgência da negociação com a troika dos termos do resgate e reclamam das instituições da União Europeia uma nova orientação para enfrentar a crise. Estes discursos e preocupações raramente se encontram.
Cada grupo fala para si próprio, enquanto o país fica cada vez mais exangue, sem ânimo, parecendo morrer devagar.
Defendo que, neste momento, para sair da crise e da atual situação deve ser dada prioridade à construção de um entendimento interpartidário. Tal exige humildade e convicção por parte dos líderes políticos.
Humildade no reconhecimento de que ninguém tem sempre razão, mas mesmo quando se tem razão a opinião dos outros importa.
Convicção de que um entendimento é desejável, possível e indispensável.
É verdade que no nosso país tem sido impossível construir acordos políticos interpartidários duráveis e gerais. Das raras vezes em que o acordo foi conseguido teve âmbito sectorial (por exemplo, nas áreas da justiça, da educação ou da defesa nacional) e colapsou antes de produzir os efeitos pretendidos, em particular porque os líderes partidários não souberam resistir às tentações do populismo e do tacticismo.
 Assistimos também, demasiadas vezes, com a mudança de governos ou de ministros, à destruição de políticas públicas ou de programas sem qualquer avaliação ou consideração pelos resultados já obtidos, apenas por puro revanchismo ou radicalismo político.
 Nada disto contribui para criar o clima de confiança necessário à construção de entendimentos. Bem pelo contrário, contribui para alimentar uma permanente crispação e guerrilha.
O momento exige mais. Exige que os líderes partidários coloquem de lado agendas de ajuste de contas e de radicalização ideológica e procurem entender-se sobre o que precisamos de fazer para sair da crise.
O primeiro passo só pode ser dado pelos líderes dos partidos no Governo. Porém, não chegam afirmações retóricas sobre entendimentos e consensos. É necessário que se suspendam parte das políticas radicais em curso e se aceite encontrar soluções negociadas para os problemas do país.
É necessário que quem governa reconheça que não tem o monopólio da razão nem do amor ao país.
Maria João Rodrigues

Nota
Concordo inteiramente com esta análise isenta, realista e verdadeira de Maria João Rodrigues, que eu admiro há muitos anos. Afecta ao PS, Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e Professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL nunca se envolveu muito na vida partidária para a qual não está talhada.
Estou igualmente convencido que a generalidade das pessoas conhecedoras da realidade política deste país e não endeusadas a qualquer partido subscreveriam também esta análise.
O que Maria de Lourdes Rodrigues não diz porque não pode, é que infelizmente, a lógica partidária, mais preocupada com o interesse e futuro dos seus líderes, que será também o das elites que os apoiam, irá prevalecer ao interesse da generalidade dos portugueses dentro daquela concepção de que a solução que for boa para o partido é a que melhor servirá o país…
É a democracia que temos… São os políticos que temos…
Seduzem e convencem impondo-se, não pelo seu próprio valor, mas pelas promessas irrealistas e as estratégias ziguezagueantes de preservação do poder no partido.
Assim, que não se espere nada que cheire a solução vinda cá de dentro… 

Com muito optimismo poderá esperar-se que seja a Europa e os credores, na defesa dos seus próprios interesses, a trazerem a solução através do aprofundamento da Europa política, financeira e fiscal que vai fazer sangrar ainda mais a generalidade dos portugueses, mais de uns do que outros, como sempre acontece, e levar o resto da soberania portuguesa do tipo: "governem-nos que nós não somos competentes..."
De qualquer maneira, a alternativa, o regresso ao escudo, em termos de sacrifícios, será da mesma ordem ou pior, salvando-se, um bocadinho, o orgulho dos portugueses.

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