sexta-feira, abril 26, 2013

O negro António Balduíno
JUBIABÁ

Episódio nº 1


A multidão se levantou como se fosse uma só pessoa. E conservou um silêncio religioso. O juiz contou:

 - Seis…

Porém antes que contasse sete o homem loiro se ergueu sobre um braço, com esforço, e juntando todas as forças se pôs de pé. Então a multidão se sentou novamente e começou a gritar.

O negro investiu com fúria e os lutadores se atracaram em meio ao tablado. A multidão berrava:

 - Derruba ele! derruba ele!

O Largo da Sé pegara uma enchente naquela noite. Os homens se apertavam nos bancos, suados, olhos puxados para o tablado onde o negro António Balduíno lutava com Ergin, o alemão.

A sombra da igreja centenária se estendia sobre os homens. Raras lâmpadas iluminavam o tablado. Soldados, estivadores, estudantes, operários, homens que vestiam apenas camisa e calça, seguiam ansiosos a luta.

Pretos, brancos e mulatos torciam pelo negro António Balduíno que já derrubara o adversário duas vezes. Daquela última vez parecia que o branco já não se levantaria mais.

Porém antes que o juiz contasse sete ele se levantou e continuou a lutar. Houve entre a assistência palavras de admiração.

Alguém murmurou:

 - O alemão é macho mesmo…

No entanto continuaram a torcer pelo negro, alto, que era campeão baiano de peso - pesado.

Gritavam agora sem parar desejosos que luta tivesse um fim, e que esse fim fosse com Ergin estendido no chão.

Um homenzinho magro, cara chupada, mordia um cigarro apagado. Um negro baixote ritmava os berros com palmadas nos joelhos:

 - Der-ru-ba  ele… Der-ru-ba-ele…

E se moviam inquietos, gritavam que se ouvia na Praça Castro Alves.

Mas aconteceu que no outro round, o branco veio com raiva em cima do negro e o levou às cordas. A multidão não se importou muito esperando a reacção do negro.

Realmente Balduíno quis acertar na cara sangrenta do alemão. Porém Ergin não lhe deu tempo e o socou violência atingindo-o no rosto, fazendo do olho do negro uma posta de sangue.

O alemão cresceu de repente e escondeu o preto que agora apanhava na cara, nos peitos, na barriga. Balduíno foi novamente às cordas, se segurou nelas, e ficou passivamente sem reagir. Pensava unicamente em não cair e se atracava com força às cordas.

Na sua frente, o alemão parecia o diabo a lhe martelar a cara. O sangue corria no nariz de Balduíno, o seu olho direito estava fechado, tinha um rasgão por baixo da orelha. Via confusamente o branco na sua frente, pulando, e ouvia muito longe os berros da assistência. Esta vaiava. Via o seu herói cair e gritava:

 - Dá nele, negro!

Isso no princípio. Aos poucos, a multidão foi ficando silenciosa, abatida, vendo o negro apanhar. E quando voltou a gritar foi para vaiar.

 - Negro fêmea! Mulher com calça! Aí, loiro! Dá nele.

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