DO
CARNAVAL
Episódio Nº 62
Um caminhão de lixo
recolhia o sujo do chão. A sua vida (não queria, mas o pensamento teimava)
estava muito suja. Qual seria o lixeiro que a limparia? Qual?
Num automóvel que passou
desenhava-se uma silhueta esguia. Esguia como ela. Talvez morena como ela. Tão
linda, Maria de Lourdes… Os grandes olhos de névoa. Que tristeza, a daqueles
olhos grandes… Aqueles olhos nunca lhe mentiram.
Sempre lhe segredaram que
Maria de Lourdes tinha uma grande aflição…
Se ela estivesse ali naquele instante, toda a
sua dor, toda a sua tristeza desapareceriam. Ela desceria numa carícia, uma
carícia longa, as mãos finas sobre os seus cabelos revoltos. Ele se consolaria.
Tão boa, Maria de Lourdes… E ele, Paulo Rigger, que se dizia degenerado e
supercivilizado, deixara fugir a Felicidade porque não tivera a coragem de
lutar contra o convencionalismo.
A convenção estava na
massa do sangue, hereditária…
A felicidade de casar, de
ter filhos pequenos, de viver burguesmente…
Mas ela o amaria mesmo? E
como fora casar com o outro? Naturalmente ela hoje desprezava Paulo Rigger. Ele
se revelara um covarde, um medíocre, um infame. O outro, o professor,
mostrara-se heróico. Sebastião Hipólito… Um nome de poeta… Um rapaz magro, com
certeza, de longa cabeleira, que escreve versos líricos. Bom pai de família, no
fundo.
- A Felicidade só está ao alcance dos
medíocres e dos cretinos.
E soava-lhe aos ouvidos,
má, cortante, a gargalhada de Pedro Ticiano.
- Tudo isso é literatura… literatura… (a
doçura da voz de Ruth).
Paulo Rigger deixou cair
os braços num gesto de desalento
- Ora, a vida…
Andou a passos lentos para
o quarto. Pegou no chapéu e encaminhou-se para a porta.
- Já vai dr. Paulo?
- Você está aí, Bebé?
- Estava. Helena não me leva para lugar
nenhum. Apesar de eu já estar moça. Alteava o busto para mostrar a saliência
que os seios minúsculos faziam no vestido. Paulo Rigger sorriu cobiçoso.
- Venha cá Bebé.
Sentou-a nos joelhos. As
mãos emolduraram-lhe o corpo. Uma garotinha ainda, mas inteiramente pervertida.
E os pensamentos de Rigger fugiram para Maria de Lourdes. Aquela, sim, que
tendo deixado de ser virgem, continuara pura. Largou Bebé. E, violentamente,
como quem quer se livrar de uma perseguição, saíu a correr pelas ruas mal calçadas.
- Uma casa de jogo?
- Sim. Que tem isso? Uma casa de jogo.
Paulo Rigger não podia
mais de espanto. José Lopes sorria do seu ar descrente.
- Fiquei sócio de uma casa de jogo porque dá
bons lucros. Não faço nada, a não ser vender fichas e tomar café com os
parceiros.
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