terça-feira, abril 02, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 62

Um caminhão de lixo recolhia o sujo do chão. A sua vida (não queria, mas o pensamento teimava) estava muito suja. Qual seria o lixeiro que a limparia? Qual?

Num automóvel que passou desenhava-se uma silhueta esguia. Esguia como ela. Talvez morena como ela. Tão linda, Maria de Lourdes… Os grandes olhos de névoa. Que tristeza, a daqueles olhos grandes… Aqueles olhos nunca lhe mentiram.
Sempre lhe segredaram que Maria de Lourdes tinha uma grande aflição…

 Se ela estivesse ali naquele instante, toda a sua dor, toda a sua tristeza desapareceriam. Ela desceria numa carícia, uma carícia longa, as mãos finas sobre os seus cabelos revoltos. Ele se consolaria. Tão boa, Maria de Lourdes… E ele, Paulo Rigger, que se dizia degenerado e supercivilizado, deixara fugir a Felicidade porque não tivera a coragem de lutar contra o convencionalismo.

A convenção estava na massa do sangue, hereditária…

A felicidade de casar, de ter filhos pequenos, de viver burguesmente…

Mas ela o amaria mesmo? E como fora casar com o outro? Naturalmente ela hoje desprezava Paulo Rigger. Ele se revelara um covarde, um medíocre, um infame. O outro, o professor, mostrara-se heróico. Sebastião Hipólito… Um nome de poeta… Um rapaz magro, com certeza, de longa cabeleira, que escreve versos líricos. Bom pai de família, no fundo.

 - A Felicidade só está ao alcance dos medíocres e dos cretinos.

E soava-lhe aos ouvidos, má, cortante, a gargalhada de Pedro Ticiano.

 - Tudo isso é literatura… literatura… (a doçura da voz de Ruth).

Paulo Rigger deixou cair os braços num gesto de desalento


 - Ora, a vida…

Andou a passos lentos para o quarto. Pegou no chapéu e encaminhou-se para a porta.

 - Já vai dr. Paulo?

 - Você está aí, Bebé?

 - Estava. Helena não me leva para lugar nenhum. Apesar de eu já estar moça. Alteava o busto para mostrar a saliência que os seios minúsculos faziam no vestido. Paulo Rigger sorriu cobiçoso.

 - Venha cá Bebé.

Sentou-a nos joelhos. As mãos emolduraram-lhe o corpo. Uma garotinha ainda, mas inteiramente pervertida. E os pensamentos de Rigger fugiram para Maria de Lourdes. Aquela, sim, que tendo deixado de ser virgem, continuara pura. Largou Bebé. E, violentamente, como quem quer se livrar de uma perseguição, saíu a correr pelas ruas mal calçadas.


 - Uma casa de jogo?

 - Sim. Que tem isso? Uma casa de jogo.

Paulo Rigger não podia mais de espanto. José Lopes sorria do seu ar descrente.

 - Fiquei sócio de uma casa de jogo porque dá bons lucros. Não faço nada, a não ser vender fichas e tomar café com os parceiros. 

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