DO
CARNAVAL
Episódio Nº 65
Encontraram-se em casa de
Pedro Ticiano. O amigo piorara repentinamente e a notícia os levara a
visitá-lo. Paulo Rigger, muito triste, muito sentimental, com um medo horrível
de que Pedro Ticiano morresse.
Ticiano ajudava-o com as
suas blagues e o seu cepticismo a suportar a vida. Jerónimo Soares, com uma
cara de Madalena arrependida, conversava, relembrando ironias de Pedro.
Junto ao leito, pobre,
onde o doente descansava os ossos e a pele, estava José Lopes, empunhando uma
grande colher cheia de remédio. Pedro, ainda lúcido, procurava conversar.
- Vocês são muito bons! Não sei como pagar-vos
tanta bondade…
- Ora, Ticiano, deixe disso…
- É nosso dever. Nós lhe
devemos tanto…
E Jerónimo Soares
enumerava os benefícios que Pedro Ticiano lhe fizera.
José Lopes, ao ministrar o
remédio, disse a Pedro:
- Aquele não lhe deve nada, Ticiano. Se você
continuar a ter influência sobre aquele rapaz, fá-lo-á um infeliz…
- Mas pelo menos ele ficará diferente da
totalidade dos homens. Isto é que eu qui s
fazer. Um homem diferente, digno de nós.
- Mas ele não dá para isso. É muito bom rapaz…
- Muito bom. Uma grande alma…
- Isso faz com que a gente perdoe a pequenez
do cérebro…
- Coitado!
Pedro Ticiano
interessava-se por Ricardo Braz. Já haviam recebido carta dele?
- Não. Ele, na sua felicidade burguesa, não
nos escreve – respondeu Paulo.
José Lopes contestou:
- Nada disso… Ele não escreve porque está
sendo infeliz. Ricardo é muito orgulhoso. Nós vivíamos dizendo que no amor não
existe Felicidade; que ele se saciaria. Ele se saciou.
Talvez a estas horas sofra
horrivelmente. Mas o orgulho não deixa que ele desabafe com os amigos… Ricardo
nunca confessará que errou.
- É isso mesmo – apoiava Ticiano, a voz fraca,
fina.
- Meu pobre Ricardo…
- Você, Paulo, ficou sentimental, depois da
sua tragédia amorosa…
- É verdade. Eu hoje só tenho vocês, meus
amigos. Se os perco fico sozinho na vida e não sei o que acontecerá. E, em
verdade, eu já os estou perdendo. José e Jerónimo não aparecem. Ticiano,
doente. Ricardo no Piauí.
- Eu quero furtar a vocês
o espectáculo da minha miséria…
- Que orgulho, José!
- E Jerónimo oculta a sua felicidade. Deve ser
assim… A gente deve sofrer e gozar sozinho.
- Não lhe reconheço hoje, José.
- É que eu, Paulo, estou a ser sincero…
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