DO
CARNAVAL
Episódio Nº 67
O automóvel parou à porta
de Jerónimo Soares. Bateu. De dentro só vinha o silêncio. Bateu novamente.
Ninguém. Por fim deu socos na porta, enraivecido, louco por alcançar a casa
onde o amigo agonizava.
Jerónimo apareceu a uma
janela.
- Quem bate?
- Sou eu Paulo Rigger.
Jerónimo veio abrir assustado.
- Que há, Rigger?
- Ticiano está morrendo. Vamos rápido.
Foi o tempo de Jerónimo
enfiar as calças e um casaco. O auto arrancou de novo, rumando para a pensão
onde residia José Lopes.
Depois de muito esmurrarem
o portão enorme, apareceu a dona da casa, velhota gorda, mãos nos quadris:
- O que é que querem?
- Falar com o senhor José Lopes.
- Não veio ainda. E não tem coragem de
aparecer antes da madrugada. O tratante deve-me dois meses de casa. Chega tarde
de noite e safa-se pela manhã. Não sei o que faz… tratante!
- Basta, minha senhora. Quanto lhe deve o José
Lopes?
- Ora, quanto… Dois meses de casa a duzentos
mil reis.
- Eu pago.
E Rigger tirou o dinheiro
da carteira. A mulher criou a amabilidade, no íntimo.
- Desculpe-me, senhor. Mas o senhor
compreende…
E contando o dinheiro,
toda honestidade:
- Mas há duzentos mil reis a mais.
- É um mês adiantado. Mas não diga nada ao
José. E, agora, onde poderei encontrá-lo?
- Não sei, meu senhor. Ele nunca avisa onde
vai…
Ficaram perplexos. Onde
encontrar José Lopes?
- Talvez já esteja em casa de Ticiano…
- Não. O filho de Pedro disse-me que ele não
chegara ainda e não sabia onde poder achá-lo.
E, de repente:
- Mas ele é sócio de uma
casa de jogo. Você sabe onde, Jerónimo?
Jerónimo sabia. O
automóvel rodou. Subiram longas escadas e num terceiro andar ouviram gritos de
gente bêbada.
Deve ser ali.
O porteiro, interrogado,
explicou-lhe que José Lopes há dias não aparecia. Uma vez ou outra, na vida,
vinha ao clube. Só beber… E o porteiro filosofou, como bom mulato brasileiro:
- Um tipo esqui sito,
aquele seu José Lopes. Sempre lendo e bebendo. Casos que começam assim eu já vi
muitos…
Paulo e Jerónimo não
ouviram, descendo as escadas.
O jeito é desistir. Vamos
nós.
- Vamos.
O automóvel arrancou pelas
ruas esburacadas, levando os dois homens, e o silêncio triste, pesado.
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