domingo, maio 19, 2013


HOJE É 

DOMINGO

(Na minha cidade de Santarém)


Segunda-feira passada, umas centenas de reformados da Função Pública, alguns em representação de muitos outros, marcaram presença no programa da Fátima Rodrigues na RTP1, Prós e Contras.

Eram pessoas da minha geração, tal como eu, servidoras do Estado uma vida inteira, que surpreendidas com o que lhes está a acontecer mal podem acreditar. No tom das palavras com que intervieram havia revolta e desespero, a reacção de quem se sente injustamente tratado… e não é para menos.

Em tempos, o Estado disse-lhes:

 - “Fizemos uma avaliação do que foi a vossa vida de trabalho ao nosso serviço e de acordo com as leis e regras em vigor, anos de trabalho, idade e descontos efectuados, vamos mandá-lo para casa reformado por velhice com direito a uma pensão para o resto da vida que iremos escarrapachar no Diário da República, em letra de forma, para que não subsistam dúvidas para ninguém.”

Que felicidade viver num país que assume compromissos com os seus servidores, que fixa direitos, que respeita aquelas que foram as legítimas expectativas de uma vida de trabalho…

Pelo menos era isto que eles julgavam, daí o título do Programa “O Impensável Acontece”.

Sem que nos tenhamos apercebido habituamo-nos a viver num Estado de Direito. Foi esse o grande benefício que os cidadãos gozaram como se fosse algo inalienável, algo que nos dá confiança, segurança, na convicção de que se cumprirmos para com o Estado ele cumpre para connosco.

Tivemos, a este respeito, uma ligeira experiência desagradável no período revolucionário do Pós 25 de Abril mas foi um período passageiro. Tal como o foi também os meus últimos dias em Moçambique, na cidade da Beira, quando nos mandavam sair do carro para irmos capinar…

Esta relação de confiança entre os cidadãos e o Estado, base da segurança que nos permite viver o dia-a-dia sem sobressaltos e angústias deve-se ao princípio da Não Retroactividade das leis tão elementar e básico que foi consagrado nos ditos populares no “quem dá e tira vai parar ao inferno”.

O governo está agora a dizer aos seus antigos servidores que afinal, pensando melhor, dada a actual conjuntura, não é justo continuar a dar-lhes aquilo com que se comprometeu e, se não conseguir ultrapassar razões éticas, morais e de justiça, resta-lhes o argumento de que não têm dinheiro.

Nasci em 39, num Portugal sem classe média, analfabeto, rural, descalço, em que grande parte da população disputava um pedaço de pão e no qual os ricos, em dias de festa, deixavam cair uma guloseima como se fossem migalhas. Um Portugal que Salazar tentava preservar convencido de que fazia a felicidade dos portugueses.

Marcados por uma pobreza ancestral eles viviam num dilema entre o limiar da fome nas suas aldeias cujas terras não davam para mais ou emigrar para o Brasil, África, Europa, para qualquer lado para onde um patrício os chamasse. A sua terra natal era madrasta. Trabalhava-se de sol a sol mas mesmo assim era insuficiente.

Depois, aconteceu a guerra do ultramar, a Revolução de Abril, os retornados, a liberdade e a democracia, a integração na Comunidade Europeia, tudo coisas novas, impensáveis em 39, quando nasci.

 Entrou dinheiro, crédito fácil e barato, negócios, uma actividade bancária e bolsista a roçar a loucura e criaram-se empregos, muitos empregos que trouxeram a taxa de desemprego para um impensável 4%, pleno emprego.

Ao longo de mais de 30 anos formou-se uma classe média alargada que fez do consumismo, para “vingança” dos tempos antigos do Salazar, de austeridade e de fome, a meta, o desígnio, a felicidade...

Compraram-se casas a crédito -  mais vantajoso que alugá-las -  trocava-se de carro de dois em dois anos, passavam-se férias no estrangeiro e os bancos emprestavam dinheiro para tudo e mais que fosse.

Os governos, de acordo com as orientações da Comunidade Europeia, faziam obras públicas e as Autarquias, pavilhões, rotundas e jardins.

 O país deixou de ser o mesmo, ficou irreconhecível mas o volume da dívida, com juros incomportáveis, levou-nos à banca rota. De aflitos chamámos a Troika… e assinámos o Memorando.

O ciclo de bem-estar e prosperidade chegara ao fim. Tinha acabado nas mãos dos nossos credores e o nosso futuro ficou dependente de uma Europa liderada por uma Alemanha autista que voltou a mandar nos países europeus substituindo, desta vez, os canhões reais pelo canhão financeiro que parece ter encravado…

Vamos empobrecer inexoravelmente desconhecendo-se, neste momento, as dimensões que essa pobreza irá atingir e isto por mais que os meus colegas reformados da Função Pública se indignem, desesperem e revoltem.

Para agravar a situação, temos neste momento, o pior da vida do país, um Aprendiz de Feiticeiro como Chefe de Governo e um Presidente que diz na televisão a que a sua Maria, digo, a sua esposa, afirma terem sido influências da Srª de Fátima nas decisões da Troika que no dia 13 de Maio aprovou a 7ª avaliação, isto depois de ter afirmado há tempos que viu sorrisos nas vacas quando visitou os Açores.

Eu julgava que vivíamos num Estado laico e que os cidadãos não religiosos, como é seu direito, seriam poupados a estas manifestações de religiosidade especialmente quando são relativas a assuntos tão graves para a vida do país, como era o caso. 

Quanto ao sorriso das vacas... bom, eu também estive nos Açores, de férias, e vi as mesmas vacas que o Presidente. Muitas delas pastavam em encostas tão inclinadas que só por um prodígio de equilíbrio não vinham por ali a baixo.

Seria isto motivo para elas sorrirem?...Francamente, ó Presidente!!!!  

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