sábado, maio 18, 2013


JUBIABÁ

Episódio Nº 19





António Balduíno tentou virar lobisomem. Fez mal criação à velha Luísa, levou duas boas surras, deixou crescer as unhas e não cortava mais a carapinha.

Nas noites de lua cheia ia para o fundo da casa e ficava de quatro, andando assim de um lado para o outro. E não virava. Ia-se desiludindo, já andava aborrecido com as pilhérias dos garotos que todos os dias perguntavam quando é que ele virava lobisomem, quando pensou que não era bastante mau para virar bicho.

Resolveu então fazer uma maldade muito grande. Passou vários dias matutando o que faria, quando, uma tarde, viu Joana, uma pretinha mimada, brincando com as bonecas.

Tinha muitas, que seu Eleutério trazia, feitas de pano, “bruxas” pretas e brancas, às quais dava nomes de conhecidos. Fazia vestidos para elas e passava o dia brincando na porta de casa. Realizava baptizados e casamentos daqueles bonecos todos, e eram dias de festa para a garotada do morro.

Ainda se lembrava da festa que Joana dera quando baptizara a Iracema, uma boneca de porcelana, que seu padrinho lhe oferecera no dia de seu aniversário. António Balduíno foi-se aproximando com o plano já formado. E chegou com a voz amiga e doce:

 - O que é isto, Joana?

- Minha boneca está namorando…

 - É bonita… Quem é o namorado?...

O namorado era um polichinelo de pernas bambas.

 - Você quer ser o padre?

António Balduíno queria era pegar no polichinelo. Mas Joana disse que não e fez um biquinho de choro.

 - Não pegue que eu conto a mamãe… Vá embora…

António Balduíno adoçou mais a voz, sorriu, baixou os olhos.

 - Deixe, Joana. Deixe eu pegar nele…

 - Não que você quer quebrar. E segurou o boneco contra o peito.

António Balduíno se assustou como um ladrão pegado em flagrante.

Como ela teria adivinhado? Sentiu medo e quis recuar. Mas Joana fazia novamente o biquinho de choro, as lágrimas estavam a saltar dos olhos e ele não resistiu.

Ficou como cego, como alucinado, atirou-se em cima dos bonecos e rebentou quantos pôde.

Joana ficou ali parada, chorando sem gritos. As lágrimas pingavam, escorriam pelo rosto, se metiam na boca. António Balduíno ficou espiando, também parado, mas achando Joana bonita com os olhos chorando.

De repente a pretinha olhou as bonecas rebentadas e se largou num choro alto, cheio de gritos.

António Balduíno, que antes estava com pena e achava ela bonita, ficou com raiva. Ficou encostado gozando o choro. Podia ter fugido e talvez se escondesse a tempo de evitar a surra, porque a velha Luísa, quando a raiva passava, achava graça e não batia mais.

Porém ficou encostado gozando na sua raiva aquele choro sincero. Só saíu dali arrastado. Apanhou desde a porta de Joana até à cozinha de casa. Nesse dia nem pretendeu furtar o corpo às chicotadas.

Site Meter