JUBIABÁ
Episódio Nº 19
António Balduíno tentou virar lobisomem. Fez mal criação à velha Luísa, levou duas boas surras, deixou crescer as unhas e não cortava mais a carapinha.
Nas noites de lua cheia ia
para o fundo da casa e ficava de quatro, andando assim de um lado para o outro.
E não virava. Ia-se desiludindo, já andava aborrecido com as pilhérias dos
garotos que todos os dias perguntavam quando é que ele virava lobisomem, quando
pensou que não era bastante mau para virar bicho.
Resolveu então fazer uma
maldade muito grande. Passou vários dias matutando o que faria, quando, uma
tarde, viu Joana, uma pretinha mimada, brincando com as bonecas.
Tinha muitas, que seu
Eleutério trazia, feitas de pano, “bruxas” pretas e brancas, às quais dava
nomes de conhecidos. Fazia vestidos para elas e passava o dia brincando na
porta de casa. Realizava baptizados e casamentos daqueles bonecos todos, e eram
dias de festa para a garotada do morro.
Ainda se lembrava da festa
que Joana dera quando baptizara a Iracema, uma boneca de porcelana, que seu
padrinho lhe oferecera no dia de seu aniversário. António Balduíno foi-se
aproximando com o plano já formado. E chegou com a voz amiga e doce:
- O que é isto, Joana?
- Minha boneca está
namorando…
- É bonita… Quem é o namorado?...
O namorado era um
polichinelo de pernas bambas.
- Você quer ser o padre?
António Balduíno queria
era pegar no polichinelo. Mas Joana disse que não e fez um biqui nho de choro.
- Não pegue que eu conto a mamãe… Vá embora…
António Balduíno adoçou
mais a voz, sorriu, baixou os olhos.
- Deixe, Joana. Deixe eu pegar nele…
- Não que você quer quebrar. E segurou o
boneco contra o peito.
António Balduíno se
assustou como um ladrão pegado em flagrante.
Como ela teria adivinhado?
Sentiu medo e qui s recuar. Mas Joana
fazia novamente o biqui nho de choro,
as lágrimas estavam a saltar dos olhos e ele não resistiu.
Ficou como cego, como
alucinado, atirou-se em cima dos bonecos e rebentou quantos pôde.
Joana ficou ali parada,
chorando sem gritos. As lágrimas pingavam, escorriam pelo rosto, se metiam na
boca. António Balduíno ficou espiando, também parado, mas achando Joana bonita
com os olhos chorando.
De repente a pretinha
olhou as bonecas rebentadas e se largou num choro alto, cheio de gritos.
António Balduíno, que
antes estava com pena e achava ela bonita, ficou com raiva. Ficou encostado
gozando o choro. Podia ter fugido e talvez se escondesse a tempo de evitar a
surra, porque a velha Luísa, quando a raiva passava, achava graça e não batia mais.
Porém ficou encostado
gozando na sua raiva aquele choro sincero. Só saíu dali arrastado. Apanhou
desde a porta de Joana até à cozinha de casa. Nesse dia nem pretendeu furtar o
corpo às chicotadas.
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