Episódio Nº 5
A imaginação se perdia
logo em actos de coragem heróica. Ficava olhando o fogo, imaginando como seria
seu pai. Tudo quanto ouvia contar de grande rocambolesco julgava logo que o pai
fizera a mesma coisa ou melhor.
Quando ele e os outros
negros do morro iam brincar de quadrilha, e o interrogavam quem queria ser,
ele, que não fora ainda ao cinema, não queria ser Eddie Pólo, nem Elmo, nem
Maciste.
- Quero ser meu pai…
Os outros faziam pouco:
- O que foi que o teu pai fez?
- Muita coisa…
- Ele não levantou um automóvel com um braço
só como Maciste…
- Ele suspendeu um caminhão…
- Um caminhão?
- E carregado…
- Quem foi que viu, Baldo?
- Minha tia viu… Pergunte a ela. E se não
gostou diga ou dê seu jeito…
Várias vezes brigou pela
memória heróica do pai que não conhecera. Em verdade ele brigava pelo pai que
imaginava, aquele que amaria se conhecesse.
Da mãe, António Balduíno
não sabia nada.
Andava solto pelo morro e
ainda não amava nem odiava. Era puro como um animal e tinha por única lei os
instintos. Descia a ladeira do morro em louca disparada, montava cavalos de
cabo de vassoura, era de pouca conversa mas de largo sorriso.
Cedo chefiou os demais
garotos do morro, mesmos os bem mais velhos do que ele. Era imaginoso e tinha
coragem como nenhum. Sua mão era certeira na pontaria do bodoque e seus olhos
faiscavam nas brigas.
Brincava de quadrilha. Era
sempre o chefe. E muitas vezes se esquecia que estava brincando e brigava
seriamente. Sabia todos os nomes feios e os repetia a todo o momento.
Ajudava a velha Luísa a
fazer o mungurá e o mingau de puba que ela vendia à noite no Terreiro. Levava o
ralo, trazia os apetrechos, só não sabia ralar coco.
Os outros meninos ao
princípio levaram na troça dizendo que ele era cozinheiro, mas se calaram no
dia em que António Balduíno
rebentou a cabeça a Zebedeu com uma pedrada.
Apanhou da tia e não
conseguiu compreender por que apanhava. Porém perdoava rapidamente as surras
que a tia lhe aplicava. Também poucas correadas o atingiam, pois ele era
agilíssimo e ficava que nem um peixe escorrendo das mãos da tia, se furtando
das chicotadas.
Aqui lo
era até um divertimento, um exercício do qual muitas vezes saía rindo,
vencedor, tendo conseguindo que várias correadas o não atingissem. Apesar de
tudo a negra Luísa dizia:
- Este é o homem da casa…
A velha era conversadora e
envolvente. Os vizinhos vinham conversar com ela, ouvir as histórias que ela
contava, histórias de assombrações, contos de fada e casos da escravidão. Por
vezes contava ou lia histórias de versos.
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