terça-feira, abril 30, 2013


António Balduíno
JUBIABÁ

Episódio Nº 4


António Balduíno não enxerga mais nada. Vinha um vento frio com a escuridão. Ele nem o sentia. Gozava voluptuosamente os ruídos, o barulho que aumentava cada vez mais. não perdia um só.

Distinguia as risadas, as vozes dos bêbados, os gritos, as conversas sobre política, a voz arrastada de cegos pedindo uma esmola por amor de Deus o barulho dos bondes carregados de pingentes. Gozava devagarinho a vida da cidade.

Um dia teve uma emoção enorme que o arrepiou todo. Chegou a ficar em pé, tremendo de prazer. É que distinguiu choro, choro de mulher e vozes que consolavam.

Aquilo subia como um tropel por dentro dele, o arrastava numa vertigem de gozo. Choro… Alguém, uma mulher, chorava na cidade que escurecia. António Balduíno escutou o choro doloroso até que se extinguiu com o ruído de um bonde que passava arranhando nos trilhos.

António Balduíno ainda ficou com a respiração suspensa vendo se conseguia ouvir mais alguma coisa. Porém deviam ter levado a mulher para longe da rua, pois ele não escutou mais nada.

Nesse dia não quis jantar e à noite não correu pelas ruas com os companheiros. Sua tia dissera:

 - Este menino viu coisa… Isto é sonso como o não sei que diga…

Dias bons, também, aqueles em que sentia a companhia da assistência badalando na cidade. Era sofrimento que existia lá em baixo e António Balduíno, menino de oito anos, gozava aqueles pedaços de sofrimento como o homem goza a mulher.

Mas as luzes que se acendiam purificavam tudo. António Balduíno se envolvia na contemplação nas fileiras de lâmpadas, mergulhava os olhos vivos na claridade e sentia vontade de agradar aos outros negrinhos do Morro do capa Negro.

Se alguém se aproximasse dele naquele instante, ele o acariciaria sem dúvida, não o receberia com os beliscões costumeiros, não diria os palavrões que cedo aprendera.

Passaria sem dúvida a mão sobre a carapinha do companheiro de brinquedos, recostaria o peito ao peito do amigo. E talvez sorrisse. Mas os garotos estavam correndo pelo morro e não se lembravam de António Balduíno.

Ele ficava vendo as luzes. Distinguia vultos que passavam. Mulheres e homens que passeavam, talvez. Por detrás, no morro, violas repenicavam, negros conversavam. A velha Luísa gritava:

 - Baldo, vem jantar… Menino impossível…

Sua tia Luísa fora-lhe pai e mãe. De seu pai, António Balduíno, apenas sabia que se chamava Valentim, que fora jagunço de António Conselheiro quando rapazola, que amava as negras que encontrava a cada passo, que bebia muito, bebia valentemente, e morreu debaixo de um bonde num dia de farra grossa.

Coisas que ele ouvia da tia quando esta conversava com os vizinhos sobre o finado irmão. Ela concluía sempre:

 - Era um negro bonito de encher a boca de água. Também brigão e cachaceiro como ele só…

António Balduino ouvia calado e fazia do pai um herói. Com certeza seu pai vivera a vida da cidade na hora em que as luzes se acendem. Tentava às vezes reconstituir a vida de seu pai com os pedaços de aventuras que ouvia da velha Luísa contar.

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