ANTÓNIO BALDUÍNO |
JUBIABÁ
Episódio Nº 3
Alguns homens saíram pelo
portão negro e enferrujado. Porém a maioria se lançou para o quadrado de luz,
onde estava o tablado, e levantou nos ombros o negro António Balduíno.
Um estivador e um
estudante seguravam numa perna e dois mulatos na outra. Levaram assim o negro
até ao mictório público instalado no largo, que era onde os lutadores mudavam
de roupa.
António Balduíno vestiu a
roupa azul, bebeu um trago de cachaça, recebeu os cem mil réis a que tinha
direito e disse aos admiradores.
- O branco era fraco… Branco não se aguenta
com o negro António Balduíno… Eu cá sou é macho.
Sorriu, apertou o dinheiro
no bolso da calça e se dirigiu para a pensão da Zara onde morava Zefa, cabrocha
de dentes limados que viera do Maranhão.
INFÂNCIA REMOTA
António Balduíno ficava de
cima do morro vendo a fila de luzes que era a cidade lá em baixo. Sons de violão
se arrastavam pelo morro mal a lua aparecia. Cantigas dolentes eram cantadas.
A venda de seu Lourenço
Espanhol se enchia de homens que iam conversar e ler o jornal que o vendeiro
comprava para os fregueses da pinga.
António Balduíno vivia
metido num camisolão sempre sujo de barro com o qual corria pelas ruas e becos
enlameados do morro, brincando com os outros meninos da mesma idade.
Apesar dos seus oito anos,
António Balduíno já chefiava as quadrilhas de molecotes que vagabundeavam pelo
Morro do Capa Negra e morros adjacentes.
Porém, de noite não havia
brinquedo que o arrancasse da contemplação das luzes que se acendiam na cidade
tão próxima e tão longínqua. Se sentava naquele mesmo barranco à hora do
crepúsculo e esperava com ansiedade de amante que as luzes se acendessem.
Tinha uma volúpia aquela
espera, parecia um homem esperando a fêmea. António Balduíno ficava com os
olhos espichados na direcção da cidade, esperando.
Seu coração batia com mais
força enquanto a escuridão da noite invadia o casario, cobria as ruas, a
ladeira, e fazia subir da cidade um rumor estranho de gente que se recolhe ao
lar, de homens que comentam os negócios do dia e o crime da noite passada.
António Balduíno que só
fora à cidade umas poucas vezes, assim mesmo às pressas, sempre arrastado pela
tia, sentia àquela hora toda a vida da cidade. Vinha um rumor lá de baixo.
Ele ficava ouvindo os sons
confusos, aquela onda de ruídos que subia pelas ladeiras escorregadias do
morro. Sentia nos nervos a vibração de todos aqueles ruídos, aqueles sons de
vida e de luta.
Ficava-se imaginando homem
feito, vivendo na vida apressada dos homens, lutando a luta de cada dia. Seus
olhinhos miúdos brilhavam por mais de uma vez ele se sentiu com vontade de se
largar pelas ladeiras e ir ver de perto o espectáculo da cidade àquelas horas
cinzentas.
Bem saberia que perderia o
jantar e que a surra o aguardaria na volta… Mas não era isso que o impedia de
ir ver de perto o barulho da cidade que se recolhia do trabalho.
O que ele não queria era o
acender das luzes, renovação que era para ele sempre nova e bela.
Eis que a cidade já se
envolve quase completamente nas trevas.
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