O negro António Balduíno |
Episódio nº 1
A multidão se levantou
como se fosse uma só pessoa. E conservou um silêncio religioso. O juiz contou:
- Seis…
Porém antes que contasse
sete o homem loiro se ergueu sobre um braço, com esforço, e juntando todas as
forças se pôs de pé. Então a multidão se sentou novamente e começou a gritar.
O negro investiu com fúria
e os lutadores se atracaram em meio ao tablado. A multidão berrava:
- Derruba ele! derruba ele!
O Largo da Sé pegara uma
enchente naquela noite. Os homens se apertavam nos bancos, suados, olhos
puxados para o tablado onde o negro António Balduíno lutava com Ergin, o
alemão.
A sombra da igreja
centenária se estendia sobre os homens. Raras lâmpadas iluminavam o tablado.
Soldados, estivadores, estudantes, operários, homens que vestiam apenas camisa
e calça, seguiam ansiosos a luta.
Pretos, brancos e mulatos
torciam pelo negro António Balduíno que já derrubara o adversário duas vezes.
Daquela última vez parecia que o branco já não se levantaria mais.
Porém antes que o juiz
contasse sete ele se levantou e continuou a lutar. Houve entre a assistência
palavras de admiração.
Alguém murmurou:
- O alemão é macho mesmo…
No entanto continuaram a
torcer pelo negro, alto, que era campeão baiano de peso - pesado.
Gritavam agora sem parar
desejosos que luta tivesse um fim, e que esse fim fosse com Ergin estendido no
chão.
Um homenzinho magro, cara
chupada, mordia um cigarro apagado. Um negro baixote ritmava os berros com
palmadas nos joelhos:
- Der-ru-ba
ele… Der-ru-ba-ele…
E se moviam inqui etos, gritavam que se ouvia na Praça Castro
Alves.
Mas aconteceu que no outro
round, o branco veio com raiva em cima do negro e o levou às cordas. A multidão
não se importou muito esperando a reacção do negro.
Realmente Balduíno qui s acertar na cara sangrenta do alemão. Porém
Ergin não lhe deu tempo e o socou violência atingindo-o no rosto, fazendo do
olho do negro uma posta de sangue.
O alemão cresceu de
repente e escondeu o preto que agora apanhava na cara, nos peitos, na barriga. Balduíno
foi novamente às cordas, se segurou nelas, e ficou passivamente sem reagir.
Pensava unicamente em não cair e se atracava com força às cordas.
Na sua frente, o alemão
parecia o diabo a lhe martelar a cara. O sangue corria no nariz de Balduíno, o
seu olho direito estava fechado, tinha um rasgão por baixo da orelha. Via
confusamente o branco na sua frente, pulando, e ouvia muito longe os berros da
assistência. Esta vaiava. Via o seu herói cair e gritava:
- Dá nele, negro!
Isso no princípio. Aos poucos,
a multidão foi ficando silenciosa, abatida, vendo o negro apanhar. E quando
voltou a gritar foi para vaiar.
- Negro fêmea! Mulher com calça! Aí, loiro! Dá
nele.
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