quinta-feira, maio 02, 2013


JUBIABÁ

Episódio Nº 6

Tinha uma que começava assim:

Leitores que caso horrível
Vos aqui vou relatar
Me faz o corpo tremer
E os cabelos arrepiar
Pois nunca pensei no mundo
Existisse um ente imundo
Capaz de seus pais matar.

Era a história da filha maldita, caso que os jornais haviam relatado, com grandes títulos, e um poeta popular, autor de A B C e de sambas, rimava para vender a 200 réis no mercado.

António Balduíno adorava esta história. Ficava pedindo para a velha contar de novo e fazia berreiro quando não era atendido.

Gostava também de ouvir os homens contar casos de António Silvino e Lucas da Feira. Nestas noites não ia brincar. Uma vez lhe perguntaram:

 - Quando você crescer o que é que vai ser?

Ele respondeu prontamente:

 - Jagunço…

Não sabia de carreira mais bela e mais nobre, carreira que requeresse mais virtudes, saber atirar e ter coragem.

 - Você precisa é de ir para a escola – diziam.

Ele perguntava a si mesmo para quê. Nunca ouvira dizer que jagunço soubesse ler. Sabiam ler os doutores e os doutores eram uns sujeitos moles.

Ele conhecia o doutor Olímpio, médico sem clientela que de vez em quando subia o morro à procura de clientes que não existiam e o doutor Olímpio era um sujeito fraco, magro, que não aguentava um tabefe bem dado.

Também sua tia mal sabia ler e no entanto era respeitada no morro, ninguém mexia com ela, ninguém tirava prosa. Quando a dor de cabeça a atacava, quem era besta de conversar com a velha Luísa?

Essas dores de cabeça da velha negra atemorizavam António Balduíno. De vez em quando sua tia era atacada, ficava como doida, berrava, os vizinhos acudiam e ela botava para fora, dizendo que não queria diabo nenhum ali, que fossem para o inferno.

Um dia António Balduíno ouviu duas vizinhas que estavam conversando quando o ataque pegou a velha Luísa.

Uma negra velha dizia.

 - Ela tem dor de cabeça é de levar todas as noites essas latas toda noite para o Terreiro. Vai esquentando a cabeça…

 - Qual o quê, sinhá Rosa! Aquilo é o espírito, não está vendo logo. Espírito e dos bons. Dos que andam perdidos sem saberem que já morreram. Andam vagando, procurando um corpo de vivente para se meter dentro. Espírito de condenado, Jesus Cristo me perdoe.

As outras apoiavam. António Balduíno é que ficava numa grande dúvida e num grande medo. Temia as almas do outro mundo. Mas não compreendia por que elas iam habitar a cabeça da sua tia.

Nestes dias Jubiabá vinha a sua casa. António Balduíno ia chamá-lo a mando de Luísa. Chegava na porta pequena da casa baixa e batia. A voz vinha de lá de dentro perguntando quem era.

 - Tia Luísa está pedindo para ir lá a casa que ela está atacada…

E saía correndo. Tinha um medo doido de Jubiabá. Se escondia atrás da porta e pela greta ficava espiando o feiticeiro que vinha, a carapinha branca, o corpo curvo e seco, apoiado num bastão, andando devagarinho.

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