Episódio Nº 6
Tinha uma que começava assim:
Leitores que caso horrível
Vos aqui
vou relatar
Me faz o corpo tremer
E os cabelos arrepiar
Pois nunca pensei no mundo
Existisse um ente imundo
Capaz de seus pais matar.
Era a história da filha
maldita, caso que os jornais haviam relatado, com grandes títulos, e um poeta
popular, autor de A B C e de sambas, rimava para vender a 200 réis no mercado.
António Balduíno adorava
esta história. Ficava pedindo para a velha contar de novo e fazia berreiro quando
não era atendido.
Gostava também de ouvir os
homens contar casos de António Silvino e Lucas da Feira. Nestas noites não ia
brincar. Uma vez lhe perguntaram:
- Quando você crescer o que é que vai ser?
Ele respondeu prontamente:
- Jagunço…
Não sabia de carreira mais
bela e mais nobre, carreira que requeresse mais virtudes, saber atirar e ter
coragem.
- Você precisa é de ir para a escola – diziam.
Ele perguntava a si mesmo
para quê. Nunca ouvira dizer que jagunço soubesse ler. Sabiam ler os doutores e
os doutores eram uns sujeitos moles.
Ele conhecia o doutor
Olímpio, médico sem clientela que de vez em quando subia o morro à procura de
clientes que não existiam e o doutor Olímpio era um sujeito fraco, magro, que
não aguentava um tabefe bem dado.
Também sua tia mal sabia ler
e no entanto era respeitada no morro, ninguém mexia com ela, ninguém tirava
prosa. Quando a dor de cabeça a atacava, quem era besta de conversar com a
velha Luísa?
Essas dores de cabeça da
velha negra atemorizavam António Balduíno. De vez em quando sua tia era
atacada, ficava como doida, berrava, os vizinhos acudiam e ela botava para
fora, dizendo que não queria diabo nenhum ali, que fossem para o inferno.
Um dia António Balduíno
ouviu duas vizinhas que estavam conversando quando o ataque pegou a velha
Luísa.
Uma negra velha dizia.
- Ela tem dor de cabeça é de levar todas as
noites essas latas toda noite para o Terreiro. Vai esquentando a cabeça…
- Qual o quê, sinhá Rosa! Aqui lo é o espírito, não está vendo logo. Espírito e
dos bons. Dos que andam perdidos sem saberem que já morreram. Andam vagando,
procurando um corpo de vivente para se meter dentro. Espírito de condenado,
Jesus Cristo me perdoe.
As outras apoiavam. António
Balduíno é que ficava numa grande dúvida e num grande medo. Temia as almas do
outro mundo. Mas não compreendia por que elas iam habitar a cabeça da sua tia.
Nestes dias Jubiabá vinha a
sua casa. António Balduíno ia chamá-lo a mando de Luísa. Chegava na porta
pequena da casa baixa e batia. A voz vinha de lá de dentro perguntando quem
era.
- Tia Luísa está pedindo para ir lá a casa que
ela está atacada…
E saía correndo. Tinha um
medo doido de Jubiabá. Se escondia atrás da porta e pela greta ficava espiando
o feiticeiro que vinha, a carapinha branca, o corpo curvo e seco, apoiado num
bastão, andando devagarinho.
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