quinta-feira, junho 13, 2013

António Balduíno
JUBIABÁ

Episódio Nº 41



Do mar, ele tem a certeza que lhe virá um dia qualquer coisa que ele não sabe o que é, mas que espera.

O que faltará ao negrinho António Balduíno que tem apenas quinze anos e já é o imperador da cidade negra da Baía? Ele não sabe nem ninguém sabe. Mas falta alguma coisa, que para ele achar terá que ou cruzar o mar, ou esperar que o mar lhe traga no bojo de um transatlântico ou no porão de um navio, ou mesmo preso ao corpo de um náufrago.


Certa noite, no cais, os homens pararam de repente o trabalho e correram para a borda onde o mar batia. Havia uma lua clara e estrelas tão brilhantes que se via a luz de um botequim que se chamava “Lanterna dos Afogados”.

Os homens encontraram um paletó velho e um chapéu furado. Alguns negros caíram na água. Voltaram com um corpo. Fora um preto velho, um daqueles raros pretos de carapinha branca, que se jogara ao mar.

António Balduíno ficou pensando que ele entrara pelo caminho de casa, que ele também vinha ao cais todas as noites. Porém, um estivador explicou.

 - É o velho Salustiano, coitado… Tava sem trabalho desde que saíu aqui das docas…

Olhou prós lados, cuspiu com raiva:

 - Disseram que ele já não dava conta do serviço… já não tinha força… Andava agora passando fome, cortando uma dureta. Coitado…

Outro ajuntou:

 - É sempre assim… Matam a gente de trabalho e depois mandam embora. Quando a gente já não pode fazer outra coisa senão se jogar ao mar…

Era um mulato magro. Um negro forte disse.

 - Comem nossa carne e depois não querem roer os ossos…

Soou um apito e eles foram voltando aos fardos e aos guindastes.

Mas antes, alguém cobriu o rosto do velho com o velho paletó.

E depois vieram mulheres e soluçaram.


Os homens negros do cais do porto pararam o trabalho em outra ocasião. Desta vez a noite era sem estrelas e sem lua. Do violão de um cego da “Lanterna dos Afogados” vinham cantigas de escravo.

Foi quando um homem trepou num caixão e começou a falar. Os outros cercaram-no, foram chegando todos para perto. Quando António Balduíno e o seu grupo chegaram, já o homem gritava apenas vivas a que a massa correspondia:

 - Viva!

António Balduíno e os do seu grupo gritavam com força.

 - Viva!

Ele não sabia o que estava vivando, mas gostava de vivar. E ria porque também gostava de rir.

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