António Balduíno |
JUBIABÁ
Episódio Nº 41
Do mar, ele tem a certeza
que lhe virá um dia qualquer coisa que ele não sabe o que é, mas que espera.
O que faltará ao negrinho
António Balduíno que tem apenas qui nze
anos e já é o imperador da cidade negra da Baía? Ele não sabe nem ninguém sabe.
Mas falta alguma coisa, que para ele achar terá que ou cruzar o mar, ou esperar
que o mar lhe traga no bojo de um transatlântico ou no porão de um navio, ou
mesmo preso ao corpo de um náufrago.
Certa noite, no cais, os
homens pararam de repente o trabalho e correram para a borda onde o mar batia.
Havia uma lua clara e estrelas tão brilhantes que se via a luz de um botequi m que se chamava “Lanterna dos Afogados”.
Os homens encontraram um
paletó velho e um chapéu furado. Alguns negros caíram na água. Voltaram com um
corpo. Fora um preto velho, um daqueles raros pretos de carapinha branca, que
se jogara ao mar.
António Balduíno ficou
pensando que ele entrara pelo caminho de casa, que ele também vinha ao cais
todas as noites. Porém, um estivador explicou.
- É o velho Salustiano, coitado… Tava sem
trabalho desde que saíu aqui das
docas…
Olhou prós lados, cuspiu
com raiva:
- Disseram que ele já não dava conta do
serviço… já não tinha força… Andava agora passando fome, cortando uma dureta. Coitado…
Outro ajuntou:
- É sempre assim… Matam a gente de trabalho e
depois mandam embora. Quando a gente já não pode fazer outra coisa senão se
jogar ao mar…
Era um mulato magro. Um
negro forte disse.
- Comem nossa carne e depois não querem roer
os ossos…
Soou um apito e eles foram
voltando aos fardos e aos guindastes.
Mas antes, alguém cobriu o
rosto do velho com o velho paletó.
E depois vieram mulheres e
soluçaram.
Os homens negros do cais
do porto pararam o trabalho em outra ocasião. Desta vez a noite era sem
estrelas e sem lua. Do violão de um cego da “Lanterna dos Afogados” vinham
cantigas de escravo.
Foi quando um homem trepou
num caixão e começou a falar. Os outros cercaram-no, foram chegando todos para
perto. Quando António Balduíno e o seu grupo chegaram, já o homem gritava
apenas vivas a que a massa correspondia:
- Viva!
António Balduíno e os do
seu grupo gritavam com força.
- Viva!
Ele não sabia o que estava
vivando, mas gostava de vivar. E ria porque também gostava de rir.
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