terça-feira, junho 18, 2013

Baiana com um vaso à cabeça
JUBIABÁ

Episódio Nº 45


 - Nada. Eu conheço aquela gente.

O Sem Dentes voltou e apanhou o níquel. O Gordo compreendeu tudo, se benzeu e depois ficou junto de António Balduíno contando histórias de Pedro Malazarte.

O gordo contava muitas histórias e as sabia contar muito bem. Só tinha que a história, por mais alegre que fosse, virava triste na boca do Gordo e ele metia sempre anjos e diabos no conto. Mas narrava bonito, inventava coisas, mentia muito e depois acreditava em todas as mentiras que contava.

 Viveram a mesma vida solta dois anos. Dois anos correndo pela cidade, assistindo partidas de futebol e lutas de boxe, brigando, penetrando no cinema Olímpia, ouvindo as histórias que o Gordo contava e sem notarem que estavam crescendo, ficando homens e que a cantiga que falava dos sete ceguinhos não servia mais para eles que já estavam uns negros fortes, enormes, derrubando mulatas no cais, malandreando na cidade religiosa da Baía.

Começavam a fazer poucas esmolas e um dia foram presos como malandros e desordeiros.

Um mulato de chapéu de palha e uns papéis debaixo do braço que era tira da polícia, juntou uns soldados e os levaram.

Primeiro estiveram na Delegacia, onde não lhes disseram nada. Depois foram levados para um corredor soturno. Penetrava um raio de sol por uma fresta. Eles ouviram a voz dos presos que cantavam.

Vieram soldados e traziam chibatas de borracha. E eles foram espancados sem saber porquê, pois nada lhes disseram. Ganharam assim a sua primeira tatuagem. Filipe, o Belo, ficou marcado na cara.

O mulato que os prendera, ria, puxando fumaça de um cigarro. Os presos cantavam lá em baixo ou lá em cima, ninguém sabia onde.

Diziam na sua canção que lá fora havia liberdade e sol. E a borracha zunia nas costas dos moleques. O Sem Dentes gritava e xingava todo o mundo. António Balduíno tentava dar pontapés e Viriato, o Anão, mordia os lábios com raiva.

Não adiantava o Gordo rezar, mas ele rezava em voz alta:

 - Padre-Nosso que estais no céu…

E a chibata zunia. Até que correu sangue do corpo dos moleques eles não pararam de bater. Os presos cantavam tristemente.

Passaram oito dias na cadeia, foram fichados e enfim soltos numa manhã de muito sol. Voltaram para a vagabundagem na cidade.

 Mas demorou pouco essa volta. O grupo foi-se dissolvendo. O primeiro a ir embora foi o Sem Dentes que ingressou numa quadrilha de batedores de carteira. De vez em quando eles o viam. Passava vestido de calça e paletó, calçado com uns sapatos velhos, um lenço amarrado no pescoço, assobiando baixinho como era seu costume.

Também Cici foi embora, e nunca souberam para onde. Jesuíno foi trabalhar numa fábrica, casou, teve um mundão de filhos. Zé Casquinha engajou como marinheiro. 

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