Baiana com um vaso à cabeça |
JUBIABÁ
Episódio Nº 45
- Nada. Eu conheço aquela gente.
O Sem Dentes voltou e
apanhou o níquel. O Gordo compreendeu tudo, se benzeu e depois ficou junto de
António Balduíno contando histórias de Pedro Malazarte.
O gordo contava muitas
histórias e as sabia contar muito bem. Só tinha que a história, por mais alegre
que fosse, virava triste na boca do Gordo e ele metia sempre anjos e diabos no
conto. Mas narrava bonito, inventava coisas, mentia muito e depois acreditava
em todas as mentiras que contava.
Viveram a mesma vida solta
dois anos. Dois anos correndo pela cidade, assistindo partidas de futebol e
lutas de boxe, brigando, penetrando no cinema Olímpia, ouvindo as histórias que
o Gordo contava e sem notarem que estavam crescendo, ficando homens e que a
cantiga que falava dos sete ceguinhos não servia mais para eles que já estavam
uns negros fortes, enormes, derrubando mulatas no cais, malandreando na cidade
religiosa da Baía.
Começavam a fazer poucas
esmolas e um dia foram presos como malandros e desordeiros.
Um mulato de chapéu de
palha e uns papéis debaixo do braço que era tira da polícia, juntou uns
soldados e os levaram.
Primeiro estiveram na
Delegacia, onde não lhes disseram nada. Depois foram levados para um corredor
soturno. Penetrava um raio de sol por uma fresta. Eles ouviram a voz dos presos
que cantavam.
Vieram soldados e traziam
chibatas de borracha. E eles foram espancados sem saber porquê, pois nada lhes
disseram. Ganharam assim a sua primeira tatuagem. Filipe, o Belo, ficou marcado
na cara.
O mulato que os prendera,
ria, puxando fumaça de um cigarro. Os presos cantavam lá em baixo ou lá em
cima, ninguém sabia onde.
Diziam na sua canção que
lá fora havia liberdade e sol. E a borracha zunia nas costas dos moleques. O
Sem Dentes gritava e xingava todo o mundo. António Balduíno tentava dar
pontapés e Viriato, o Anão, mordia os lábios com raiva.
Não adiantava o Gordo
rezar, mas ele rezava em voz alta:
- Padre-Nosso que estais no céu…
E a chibata zunia. Até que
correu sangue do corpo dos moleques eles não pararam de bater. Os presos
cantavam tristemente.
Passaram oito dias na
cadeia, foram fichados e enfim soltos numa manhã de muito sol. Voltaram para a
vagabundagem na cidade.
Mas demorou pouco essa
volta. O grupo foi-se dissolvendo. O primeiro a ir embora foi o Sem Dentes que
ingressou numa quadrilha de batedores de carteira. De vez em quando eles o
viam. Passava vestido de calça e paletó, calçado com uns sapatos velhos, um
lenço amarrado no pescoço, assobiando baixinho como era seu costume.
Também Cici foi embora, e
nunca souberam para onde. Jesuíno foi trabalhar numa fábrica, casou, teve um
mundão de filhos. Zé Casqui nha
engajou como marinheiro.
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