sexta-feira, junho 14, 2013

... ele olha sempre o mar como um caminho de casa.
JUBIABÁ

Episódio Nº 42


O homem que estava em cima do caixão e que pelo jeito era espanhol, jogou um punhado de papéis que foram disputados.

António Balduíno pegou num que deu ao estivador António caroço que era seu amigo. Foi quando alguém gritou:

 - Vem lá a polícia…

A polícia veio e agarrou o homem que discursava. Ele falava de miséria em que o povo vivia e prometia uma pátria nova em que todos tivessem pão e trabalho.

Por isso foi preso e como os outros não compreendessem que fosse preso só por dizer isso, protestaram:

 - Não pode! Não pode!

António Balduíno também gritava “não pode”. E esta era mesmo a coisa que ele mais gostava. Afinal, levaram o homenzinho mas os outros guardaram os papéis jogados e aqueles que não tinham conseguido pegar um, tomavam o do companheiro emprestado.

Era um grupo de mãos estendidas contra os soldados que levavam o orador. Um grupo de caras negras e fortes e as mãos estendidas lembravam um gesto de rebentar grilhetas.

Vinham cantigas escravas da “Lanterna dos Afogados”. O apito tocava inutilmente. Um homem gordo, de guarda-chuva e rosto rosado dizia:

 - Canalhas…


Quem sabe se não será pelo corpo de um suicida que o mar indicará a António Balduíno o caminho de casa? Ou pela prisão de um homem que fala em pão e o gesto de outros que protestam’

Foram anos bons, anos livres, aqueles em que ele e o seu grupo dominaram a cidade mendigando nas ruas, brigando nos becos, dormindo no cais.

O grupo era unido e os moleques se estimavam talvez. Apenas só sabiam mostrar essa estima dando socos nas costas dos outros e dizendo nomes feios. Xingar com voz doce a mãe do companheiro era o maior carinho que qualquer daqueles negros sabia fazer.

Eram unidos, sim. Quando um brigava, todos brigavam. E tudo quanto ganhavam era fraternalmente dividido entre todos. Tinham o seu amor próprio e amavam a fama do grupo.

Um dia esfacelaram outro bloco de moleques que pedia esmolas na cidade.

Quando este bloco apareceu chefiado por um negrinho de seus doze anos, António Balduíno procurou entrar em relações.

Mandou ao Terreiro onde eles estavam, um emissário. Foi Filipe o Belo, que tinha lábia. Porém o menino nem se pôde aproximar. Foi escorraçado miseravelmente, vaiado, e voltou com os olhos cheios de lágrimas de raiva.

Contou tudo a António Balduíno:

 - Isso não foi porque você não foi para lá contar vantagem, Belo?

 - Eu nem cheguei perto… eles foram logo xingando minha mãe… Mas eu pego um cara daqueles e rebento…

António Balduíno ficou pensativo…

Site Meter