(continuação) - Parte V
Inspiração
Esta é uma questão de gosto ou de
opinião pessoal, o que tem a implicação algo infeliz de que a argumentação a
que tenho de recorrer, neste caso, é retórica e não lógica.
No livro «Decompondo o Arco-Iris»,
tentei transmitir a ideia da sorte que temos por estarmos vivos, atendendo a
que a imensa maioria das pessoas que potencialmente podiam vir a ser geradas
pela lotaria combinatória do ADN nunca chegarão, efectivamente, a nascer.
Para os que têm a sorte de "estar aqui" procurei visualizar a relativa brevidade da vida
imaginando um foco de luz fino como um lazer, deslizando ao longo de uma
gigantesca escala temporal.
Tudo quanto está para trás ou para a
frente do foco encontra-se envolto na escuridão do passado já morto ou na
escuridão do futuro ainda desconhecido.
Temos uma sorte fabulosa por nos
encontrarmos sob o foco. Por muito breve que seja o tempo que nos cabe ao sol,
se desperdiçarmos um segundo que seja ou se nos queixarmos que ele é monótono, estéril ou enfadonho, não será isso uma insultuosa demonstração de
insensibilidade para com os muitos milhões a quem nunca sequer será
proporcionado viver?
Como muitos ateus já disseram, e melhor
do que eu, o sabermos que só temos uma vida devia torná-la ainda mais preciosa.
A atitude ateia é, por isso mesmo, uma atitude de afirmação e de promoção da
vida ao mesmo tempo que não se deixa macular pela auto-ilusão, não toma os
desejos por realidades, nem padece de auto comiseração birrenta própria daqueles
que acham que a vida lhes deve alguma coisa.
Emily Dickinson, poetisa americana,
disse:
Por não voltar jamais
É que é tão doce a vida
Se o desaparecimento de Deus deixar uma
lacuna, as pessoas irão, cada uma, preenchê-la à sua maneira. A minha maneira
específica passa por uma boa dose de ciência e por uma tentativa sincera e
sistemática de descobrir a verdade acerca do mundo real.
Cada um de nós constrói, dentro da sua
cabeça, um modelo do mundo em que se encontra. O modelo mínimo do mundo é o
modelo de que os nossos antepassados precisaram para nele sobreviver.
O software de simulação foi construído e
depurado pela selecção natural e é especialmente adequado ao mundo que era
familiar aos nossos antepassados da savana africana: um mundo de três dimensões
de objectos materiais de média dimensão, que se moviam a velocidades médias
relativamente uns aos outros.
Numa espécie de bónus inesperado,
verifica-se, afinal, que os nossos cérebros são suficientemente poderosos para
dar resposta a um modelo do mundo muito mais rico do que o modelo medíocre e
utilitário de que os nossos antepassados necessitaram para sobreviver.
A arte e a ciência são manifestações descontroladas, no bom sentido , desse bónus.
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