Episódio Nº 75
CAIS
Grandes canoas imóveis
sobre a água parada.
Os saveiros, velas
arriadas, dormiam na escuridão. Assim mesmo davam a ideia de partida, de
viagens por pequenos portos do recôncavo, com suas grandes feiras.
Mas agora os saveiros
dormiam, os nomes pitorescos próximos da proa. “Paquete Voador”, “Estrela da
Manhã”, “O Solitário”… Pela manhã sairiam rápidos, atirados pelo vento, as
velas soltas, cortando a água da baía.
Iriam se abarrotar de
verduras, de tijolos ou telhas. Correriam as feiras todas. Voltariam depois
carregados de abacaxis cheirosos.
O “Viajante sem Porto” é
pintado de vermelho e corre como nenhum. Mestre Manuel dorme na proa. É um
mulato velho que nasceu nos saveiros e morou sempre nos saveiros.
António Balduíno sabe a
história de todos estes saveiros e de todas estas canoas. Desde menino gosta de
vir aqui deitar no areal do cais, a
carapinha no travesseiro da areia, os pés metidos dentro de água.
A água é morna e gostosa a
estas horas da noite, Balduíno às vezes fica pescando, silencioso, o rosto se
abrindo em sorrisos quando fisga um peixe. Porém em geral olha somente o mar,
os navios, a cidade morta lá atrás.
António Balduíno tem
vontade de sair, de viajar, de correr terras desconhecidas, de amar em areias
desconhecidas mulheres desconhecidas. Miguez veio do Peru e lhe deu uma surra.
Um navio apita no
quebra-mar. Vai saindo iluminando a noite. É um navio sueco. Ainda há pouco os
marinheiros andavam pela cidade bebendo cerveja nos bares, amando nos braços
das mulatas da Barroqui nha.
Agora estão no mar escuro,
amanhã estarão nalgum porto longínquo com mulheres brancas ou amarelas. Um dia
António Balduíno há-de engajar e correr mundo.
Sempre sonhou com isso.
Enquanto dorme e enquanto, deitado na areia, olha os saveiros e as estrelas.
O navio está
desaparecendo.
A cidade estendia os
braços das igrejas para o céu. Do cais ele via as ladeiras, as casas velhas enormes.
As luzes brilhavam lá em cima e nuvens alvas corriam pelo céu como bandos de
carneiros. Pareciam também com os dentes de Joana.
António Balduíno toda a
vez que arranja uma cabrocha diz a ela:
- Seus dentes parecem nuvens…
Mas agora que ele apanhou,
que perdeu a luta, que cabrocha olhará para ele? Andam dizendo que ele se
vendeu.
Ele se perdia olhando o
casario negro da cidade. Havia uma estrela bem acima da sua cabeça. Não sabia
qual era mas estava bonita, grande, brilhando num pisca-pisca. Ele nunca havia
visto aquela estrela.
A lua apareceu muito
grande e derrubou pelos fundos das casas uma luz tão esqui sita
que ele não conheceu mais a cidade.
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