Episódio Nº 78
Cumprimenta António Balduíno:
-
Boa noite, seu Baldo.
-
Traz uma pinga.
O Gordo está atento à canção dos
marinheiros:
-
É bonito…
-
E você entende?
-
Não, mas me bole cá dentro…
-
Lhe bole? - Joaqui m
não entende.
Mas António Balduíno entende e já não
sente vontade de brigar com os alemães. Agora ele gostaria era de cantar com os
marinheiros e rir com as mulheres. Bate os dedos na mesa e assobia. Os
marinheiros estão cada vez mais bêbados e um deles já não canta. Arriou a
cabeça em cima da mesa.
O cego toca violão num canto da
escuridão. Ninguém o ouve excepto o garoto pálido que serve o botequi m. Entre as carreiras com copos de cachaça ele
espia o cego com admiração. E sorri.
Mas de longe, do escuro do mar, vem uma voz
que canta. Apesar das estrelas não se vê de quem é, nem de onde vem, se das
canoas, dos saveiros, se do forte velho. Mas vem do mar esta toada triste. Uma
voz forte, longe.
António Balduíno espia. Tudo negro em redor. Só há luz nas
estrelas e no cachimbo do mestre Manuel. Os marinheiros já não cantam, as
mulheres já não riem, o cego parou de chorar no violão para tristeza do garoto
pálido que serve no botequi m.
Jubiabá voltou para a mesa e seu António
para o balcão. O vento que invade o botequi m
como uma carícia, traz a tristura da
voz. De onde virá ela? O mar é tão grande e tão misterioso que não se sabe de
onde vem essa valsa triste.
Mas é um negro que está cantando. Porque
só os negros cantam assim. Mestre Manuel está mudo. Será que ele pensa na carga
de sapotis que seu saveiro vai pela madrugada receber em Itaparica? Não, ele
ouve a toada da valsa. Ele se volta para o lado de onde parece vir a voz que
enche o mistério do mar: de onde virá a voz do negro?
- «Senhor, dai
tréguas aos meus ais…
Será que ele está no forte velho e é um
velho soldado? Será que ele está numa canoa e é um camponês moço que vende
laranjas na Feira de Água dos Meninos? Será de um canoeiro que está na sua
canoa no Porto da Lenha? Virá de um rápido saveiro a sua voz, voz de um
marinheiro negro que esqueceu a amada num porto distante?
- «Senhor dai tréguas
aos meus ais…
Mata-me esta
dor
De eu não vê-la
mais…
De onde virá a toada triste que atravessa
os saveiros, as canoas, o quebra-mar, o cais, a “Lanterna dos Afogados, a baía
toda e que vai se perder nas ladeiras da cidade?
O Gordo bem vê que António Balduíno ouve
nervoso. Ele pensa em Lindinalva e julga que o preto canta unicamente para ele,
que está tão só.
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