terça-feira, agosto 06, 2013

O Por Quê das Religiões



Uma possibilidade especialmente sugestiva mencionada por Dennet refere que a irracionalidade da religião é um subproduto de um mecanismo de irracionalidade incorporada no cérebro: a nossa tendência – presumivelmente vantajosa do ponto de vista genético – para nos apaixonarmos.

Em Wy We Love, a antropóloga Helen Fisher exprimiu lindamente a insanidade do amor do amor romântico e quão excessivo ele é comparado com aquilo que poderia parecer o estritamente necessário.

Veja-se a questão do seguinte prisma. Do ponto de vista de um homem, por exemplo, é pouco provável que uma mulher sua conhecida seja cem vezes mais encantadora do que a sua concorrente mais próxima e, no entanto, é assim que ele provavelmente a descreve quando está apaixonado ou “enamorado”.

Perante isto, uma qualquer espécie de poliamor (amar simultaneamente vários membros do sexo oposto) será mais racional do que a devoção fanaticamente monótona a que somos tão susceptíveis.

Aceitamos alegremente o facto de podermos amar mais do que um filho, progenitor, irmão, professor, amigo ou animal de estimação.

Quando pensamos na questão desta maneira, não sou positivamente estranha a total exclusividade que esperamos do amor conjugal? E, no entanto, é isso mesmo que esperamos e é aquilo que nos propomos alcançar (unidos pelo amor até à morte em total fidelidade!). Tem de haver uma razão.

Helen Fisher e outros demonstraram que o estar apaixonado se faz acompanhar de invulgares estados cerebrais que incluem a presença de químicos neuralmente activos (na verdade drogas naturais) muito especificamente característicos desse estado.

Os psicólogos da evolução concordam com ela quanto ao facto de o “coup de foudre” irracional poder ser um mecanismo que assegura a fidelidade a um co-progenitor, por tempo suficiente para criarem uma criança juntos.

Mas uma vez feita essa escolha – mesmo que seja má – e concebida uma criança, é mais importante assumir a escolha e arrostar com todas as adversidades, pelo menos até a criança estar desmamada.

Será a religião irracional um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento (e ambos têm muitas das características da euforia induzida por uma droga viciante).

As áreas do cérebro activadas não são exactamente as mesmas, contudo, como observa o neuropsiquiatra John Smythies, têm algumas semelhanças:

 - Uma faceta das muitas faces da religião é o amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da veneração de ícones dessa pessoa.

A vida humana é, em grande parte, impelida pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço. É grande o reforço de tipo positivo originado pela religião, sentimentos reconfortantes e calorosos por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte, auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc…

De igual modo, o amor romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma concentração intensa no outro e reforços positivos desse sentimento, que podem ser desencadeados por íconos do outro, tais como fotografias, cartas, madeixas de cabelo, como acontecia na época vitoriana.

Fiz a comparação entre enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um indivíduo infectado pela religião “podem ser surpreendentemente reminiscentes daqueles que habitualmente associamos  ao amor sexual".
(continua)

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