Uma possibilidade especialmente
sugestiva mencionada por Dennet refere que a irracionalidade da religião é um
subproduto de um mecanismo de irracionalidade incorporada no cérebro: a nossa
tendência – presumivelmente vantajosa do ponto de vista genético – para nos
apaixonarmos.
Veja-se a questão do seguinte prisma. Do
ponto de vista de um homem, por exemplo, é pouco provável que uma mulher sua
conhecida seja cem vezes mais encantadora do que a sua concorrente mais próxima
e, no entanto, é assim que ele provavelmente a descreve quando está apaixonado
ou “enamorado”.
Perante isto, uma qualquer espécie de
poliamor (amar simultaneamente vários membros do sexo oposto) será mais
racional do que a devoção fanaticamente monótona a que somos tão susceptíveis.
Aceitamos alegremente o facto de
podermos amar mais do que um filho, progenitor, irmão, professor, amigo ou
animal de estimação.
Quando pensamos na questão desta
maneira, não sou positivamente estranha a total exclusividade que esperamos do
amor conjugal? E, no entanto, é isso mesmo que esperamos e é aqui lo que nos propomos alcançar (unidos pelo amor
até à morte em total fidelidade!). Tem de haver uma razão.
Helen Fisher e outros demonstraram que o
estar apaixonado se faz acompanhar de invulgares estados cerebrais que incluem
a presença de químicos neuralmente activos (na verdade drogas naturais) muito
especificamente característicos desse estado.
Os psicólogos da evolução concordam com
ela quanto ao facto de o “coup de foudre” irracional poder ser um mecanismo que
assegura a fidelidade a um co-progenitor, por tempo suficiente para criarem uma
criança juntos.
Mas uma vez feita essa escolha – mesmo
que seja má – e concebida uma criança, é mais importante assumir a escolha e
arrostar com todas as adversidades, pelo menos até a criança estar desmamada.
Será a religião irracional um subproduto
dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram
originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento (e ambos têm
muitas das características da euforia induzida por uma droga viciante).
As áreas do cérebro activadas não são
exactamente as mesmas, contudo, como observa o neuropsiqui atra
John Smythies, têm algumas semelhanças:
-
Uma faceta das muitas faces da religião é o amor intenso centrado numa pessoa
sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da veneração de ícones dessa pessoa.
A vida humana é, em grande parte,
impelida pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço. É grande o
reforço de tipo positivo originado pela religião, sentimentos reconfortantes e
calorosos por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da
morte, auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos
difíceis, etc…
De igual modo, o amor romântico por
outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma concentração
intensa no outro e reforços positivos desse sentimento, que podem ser
desencadeados por íconos do outro, tais como fotografias, cartas, madeixas de
cabelo, como acontecia na época vitoriana.
Fiz a comparação entre enamoramento e
religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um indivíduo
infectado pela religião “podem ser surpreendentemente reminiscentes daqueles
que habitualmente associamos ao amor
sexual".
(continua)
(continua)
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