quinta-feira, agosto 08, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 79


Mas o negro canta para todo o mundo, não é só para António Balduíno. Canta para o Gordo, para o Mestre Manuel, para os marinheiros alemães, para todos os negros dos saveiros e das canoas, para todos os alvos marinheiros dos navios suecos, para o mar também.

As luzes da cidade brilham no morro. Ainda há pouco vinha do morro um baticum de candomblés e macumbas. Porém agora a cidade está longe e o brilho das estrelas está muito mais perto deles que as lâmpadas eléctricas.

António Balduíno vê a brasa do cachimbo do mestre Manuel. A voz do negro vem para dentro dele, de repente se afasta, foge pelo mar afora. Mas volta e fica vibrando no botequim…

Uma tristeza baixa sobre tudo:

                              - «Tão só que hei-de fazer
                                   Mais do que gemer…
                                   Mais do que gemer…»


Não falam. Os marinheiros alemães escutam. Jubiabá estende as mãos na mesa. O Gordo está tremendo e António Balduíno vê Lindinalva, branca, pálida, sardenta, nas águas, no céu, nas nuvens, no copo de cachaça, nos olhos do garoto tísico que serve o botequim.

Aquela lua amarela descambou de novo sobre a “Lanterna dos Afogados”. A voz vem em surdina trazida pelo vento. O Gordo treme, mestre Manuel fuma devagar. A voz parou no botequim e gira com a brisa:

                                  - «Até que de mim tenha dó
                                      volve o teu olhar
                                       o teu sagrado amor
                                       para mim…»

Foi embora a toada triste. O cego a procura com os olhos sem luz.

Jubiabá resmunga palavras que ninguém ouve. Joaquim pergunta:

 - Tem um cigarro, mulato?

Fuma em grandes tragadas. Os marinheiros bebem cerveja. As mulheres têm os olhos puxados para o mar. Jubiabá estira as pernas magras e espia a noite. A lua amarelou tudo, prateou o mar e o céu. Mas eis que volta a velha valsa. A voz do negro está perto, muito mais perto:

                                   - «MATA-ME ESTA DOR
                                       DE EU NÃO VÊ-LA MAIS»

A voz se aproxima cada vez mais. Mestre Manuel volta ao cachimbo que brilha como uma estrela. Um saveiro atravessou o mar lá ao longe. Vai silencioso também ouvindo a toada triste que vem com o vento.

António Balduíno tem vontade de dizer:

 - Boa viagem, amigos …

Porém fica calado, ouvindo. A voz foi embora levada pelo vento. Voltou em surdina, baixinho:

                                  - «de eu não vê-la mais… »

A lua entrou pelo botequim. Os marinheiros ouvem como se entendessem a valsa do negro. As mulheres que agora entendem não riem mais. Joaquim fala:

- De que vale voltar?
 

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