Episódio Nº 79
Mas o negro canta para todo o mundo, não é só para
António Balduíno. Canta para o Gordo, para o Mestre Manuel, para os marinheiros
alemães, para todos os negros dos saveiros e das canoas, para todos os alvos
marinheiros dos navios suecos, para o mar também.
As luzes da cidade brilham no morro. Ainda há pouco
vinha do morro um baticum de candomblés e macumbas. Porém agora a cidade está
longe e o brilho das estrelas está muito mais perto deles que as lâmpadas eléctricas.
António Balduíno vê a brasa do cachimbo do mestre
Manuel. A voz do negro vem para dentro dele, de repente se afasta, foge pelo
mar afora. Mas volta e fica vibrando no botequi m…
Uma tristeza baixa sobre tudo:
- «Tão só que
hei-de fazer
Mais do que
gemer…
Mais do que
gemer…»
Não falam. Os marinheiros alemães escutam. Jubiabá
estende as mãos na mesa. O Gordo está tremendo e António Balduíno vê
Lindinalva, branca, pálida, sardenta, nas águas, no céu, nas nuvens, no copo de
cachaça, nos olhos do garoto tísico que serve o botequi m.
Aquela lua amarela descambou de novo sobre a “Lanterna
dos Afogados”. A voz vem em surdina trazida pelo vento. O Gordo treme, mestre
Manuel fuma devagar. A voz parou no botequi m
e gira com a brisa:
- «Até que de
mim tenha dó
volve o
teu olhar
o teu
sagrado amor
para mim…»
Foi embora a toada triste. O cego a procura com os
olhos sem luz.
Jubiabá resmunga palavras que ninguém ouve. Joaqui m pergunta:
- Tem um
cigarro, mulato?
Fuma em grandes tragadas. Os marinheiros bebem
cerveja. As mulheres têm os olhos puxados para o mar. Jubiabá estira as pernas
magras e espia a noite. A lua amarelou tudo, prateou o mar e o céu. Mas eis que
volta a velha valsa. A voz do negro está perto, muito mais perto:
- «MATA-ME
ESTA DOR
DE EU
NÃO VÊ-LA MAIS»
A voz se aproxima cada vez mais. Mestre Manuel volta
ao cachimbo que brilha como uma estrela. Um saveiro atravessou o mar lá ao
longe. Vai silencioso também ouvindo a toada triste que vem com o vento.
António Balduíno tem vontade de dizer:
- Boa viagem,
amigos …
Porém fica calado, ouvindo. A voz foi embora levada
pelo vento. Voltou em surdina, baixinho:
- «de eu não vê-la mais…
»
A lua entrou pelo botequi m.
Os marinheiros ouvem como se entendessem a valsa do negro. As mulheres que
agora entendem não riem mais. Joaqui m
fala:
- De que vale voltar?
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