Episódio Nº 88
- Quem? – o Gordo não se
lembrava.
- Naquele dia que Oxalá pegou dos Reis…
- Ah! Já sei… Mas não era não. Aquele branco era
andarilho e escrevia A B C. Eu sei a história dele… Ele fugiu um dia num cavalo
alazão da fazenda do pai dele, que era criador de cavalos, e correu o mundo
todo no seu cavalo alazão, escrevendo os A B C dos homens mais corajosos que
encontrou, das mulheres mais malvadas que viu…
Ele vai escrever o meu A B
C…
- O seu?
- O negro mais valente que ele já viu foi o
negro António Balduíno. Eu sou é macho para qualquer um… Ele mesmo me disse…
O Gordo ficou admirando o
amigo. António Balduíno trazia dois punhais em baixo do casaco, um de cada lado.
A canoa encostou na lama do cais.
Das fábricas vem esse
cheiro que entontece. Os homens que pescavam estão se recolhendo e conduzem
peixes para o jantar magro.
Das fábricas sai ao mesmo
tempo um apito fino, prolongado, É o fim da jornada do dia. António Balduíno
foi para arranjar uma mulher, uma mulata a quem amar, no meio das operárias das
fábricas.
E ficou na esqui na rindo a sua gargalhada para as histórias do
gordo, esperando a passagem das mulheres.
Mas eis que elas saem e
são tristes e cansadas. Elas vêm tontas daquele cheiro doce do fumo que já
impregnou nelas, que está nas suas mãos, nos seus vestidos, nos seus corpos,
nos seus sexos.
Saem sem alegria e são
muitas, é uma legião de mulheres que parecem todas doentes. Algumas fumam
charutos baratos, depois de terem fabricado charutos caríssimos.
Quase todas mastigam fumo.
Um homem louro conversa com uma mulatinha que ainda não perdeu a cós nas fábricas.
Ela ri e ele murmura:
- Lhe melhoro de condição…
António Balduíno diz ao
Gordo:
- Aquela é a única que é comível… Mas já está
com o gerente…
As mulheres passam
silenciosas como se estivessem bêbedas do cheiro do fumo, entram pelas ruas
estreitas que já escurecem e rumam para os becos sem iluminação do fundo da
cidade.
Vão tristes assim,
conversando em voz baixa, ainda com medo das multas por causa das conversas nas
fábricas. Passa uma grávida, a barriga estendida para a frente e adiante pára e
beija um homem que trás peixes na mão.
Agora seguem de braço, e
ela conta a multa que sofreu porque parou num momento em que a barriga pesava e
doía. De repente diz:
- E os dias que eu vou perder quando tiver o
menino… Quantos dias…
A sua voz é trágica e
angustiada. O homem baixou a cabeça e fechou as mãos. António Balduíno ouviu e
escarrou. O Gordo está tremendo.
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