Episódio Nº 98
- Está inchada que nem um
boi… Faz até medo…
- Que doença mais esqui sita…
- Ninguém me tira que aqui lo
foi espírito ruim…
Zèqui nha
vinha chegando. Os homens se curvaram de novo sobre as folhas de fumo. Totonha
falou com ele e depois avisou:
- Eu vou ficar com a menina. De noite tem
sentinela…
O negro Filomeno segredou
para António Balduíno:
- Quem me dera ser eu. Sozinho com ela, era um
Deus nos acuda…
O Gordo bebeu um trago de
cachaça porque tinha muito medo de defunto. E, na hora do almoço, ficaram
relembrando histórias de defuntos conhecidos, contando casos de doenças e
mortes.
O negro Filomeno não
falava. Estava com um plano na cabeça. Pensava em Arminda, na frescura da sua
carne moça.
Os fifós pareciam andar. A
luz vacilante se aproximava da casa de taipa. Não se viam as pessoas. Sòmente
aquela luz vermelha que bruxuleava e mudava de lugar como uma alma penada.
Na porta, Totonha recebia
as visitas que vinham fazer a sentinela da morte. E distribuía abraços e
recebia pêsames como se fosse parente da sinhá Laura.
Estava com os olhos
húmidos e narrava os sofrimentos da defunta:
- Coitada, gritava tanto… Também com aquela
doença danada…
- Aqui lo
era espírito…
- Deu de inchar, ficou com
a barriga estufada…
- Agora descansou…
Uma mulher se benzeu. O
negro Filomeno perguntou:
- E Arminda?
- Tá lá dentro chorando… Coitadinha, ficou sem
ninguém no mundo…
Ofereceu cachaça que todos
tomaram.
No único cómodo da casa
dois bancos se alinhavam ao lado de uma parede. Alguns homens e mulheres, de pés
descalços e cabeças descobertas, velavam a morta. Do outro lado da sala uma
cadeira velha onde Arminda sentada chorava um choro sem lágrimas, intercalado
de soluços altos.
Tinha os olhos tapados com
um lenço vermelho. Os recém chegados foram até onde ela estava e apertaram-lhe
a mão sem que ela se movesse. Não diziam palavra.
E no meio da sala,
estendido em cima de uma mesa, que era nos dias comuns cama e mesa de jantar,
estava o cadáver, inchado, parecendo querer estourar.
Uma coberta de chitão, de
grandes flores amarelas e verdes, cobria o corpo, deixando do lado de fora o
rosto enrugado com a boca torcida e os pés enormes e achatados de dedos
abertos.
Os homens ao voltar
espiavam o rosto da morta e as mulheres se benziam.
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