segunda-feira, agosto 12, 2013

Pegou no Gordo e fugiu pelo mar num saveiro...
JUBIABÁ

Episódio Nº82


Agora a cidade o apertava como corda no pescoço de suicida. Diziam que tinha-se vendido. E o mar batendo nas pedras, os navios que saíam iluminados, os saveiros que partiam com uma lanterna e um violão, valiam como chamados irresistíveis.

Ali estava o caminho de casa. Viriato, o Anão, entrara por ele, por entrara o velho Salustiano, outros entraram também. No peito de António Balduíno estavam tatuados um coração, um L enorme e um saveiro.

Pegou o Gordo e fugiu pelo mar num saveiro. Ia procurar nas feiras, nas cidades pequenas, no campo, no mar, a sua gargalhada, o seu caminho de casa.


DIÁRIO DE UM NEGRO EM GUGA


SAVEIRO

O «Viajante sem Porto» corta a água que reflecte as estrelas. Ele é todo pintado de vermelho e traz uma lanterna que espalha em torno uma luz amarela como a luz da lua que apareceu nesse momento, saindo de uma nuvem.

Gritam de outro saveiro que atravessa a baía:

 - Quem vem lá?

 - Boa Viagem! Boa Viagem!

A estrada do mar é larga. As águas passam murmurando. Um peixe salta na luz da lanterna. Mestre Manuel vai ao leme. O Gordo vai sem compreender. António Balduíno está estirado no saveiro, olhando o espectáculo do mar. Do porão vem um cheiro de abacaxis maduros.

Passa um vento suave e uma estrela clara brilha no céu. Na cabeça do negro António Balduíno aparece um samba que vem se bater nos seus joelhos em palmadinhas compassadas.

Agora vai assobiando e em breve encontrará a sua gargalhada perdida. O samba vai saindo e fala em mulher, em malandragem, em negro livre, nas estrelas do céu, na estrada larga do mar.

Pergunta:

                  «Aonde vai parar esta estrada, Maria?...

E diz:

                   «As estrelas dos teus olhos está no céu…
                   «o barulho do teu riso está no mar…
                   «você está na lanterna do saveiro».

Falava assim o samba. Dizia mais que o negro António Balduíno amava somente duas coisas: malandragem e Maria.
Malandragem na língua que ele fala quer dizer liberdade. E Maria quer dizer mulata.

Onde irá parar essa estrada? Para mestre Manuel, que é um velho marinheiro, ela não tem mistérios.

 - Aqui, avisa ele – é onde o mar ama o rio…

Terminou a barra. Entraram no rio Paraguaçu. Nas margens, velhos castelos feudais, ruínas de engenhos-banguês, de riquezas passadas, têm sombras descomunais, parecendo fantasmas. Bem dizia o Gordo:

 - Parece mula de padre.

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