Pegou no Gordo e fugiu pelo mar num saveiro... |
JUBIABÁ
Episódio Nº82
Agora a cidade o apertava como corda no pescoço de
suicida. Diziam que tinha-se vendido. E o mar batendo nas pedras, os navios que
saíam iluminados, os saveiros que partiam com uma lanterna e um violão, valiam
como chamados irresistíveis.
Ali estava o caminho de casa. Viriato, o Anão, entrara
por ele, por entrara o velho Salustiano, outros entraram também. No peito de
António Balduíno estavam tatuados um coração, um L enorme e um saveiro.
Pegou o Gordo e fugiu pelo mar num saveiro. Ia
procurar nas feiras, nas cidades pequenas, no campo, no mar, a sua gargalhada,
o seu caminho de casa.
DIÁRIO DE UM NEGRO EM GUGA
SAVEIRO
O «Viajante sem Porto» corta a água que reflecte as
estrelas. Ele é todo pintado de vermelho e traz uma lanterna que espalha em
torno uma luz amarela como a luz da lua que apareceu nesse momento, saindo de
uma nuvem.
Gritam de outro saveiro que atravessa a baía:
- Quem vem lá?
- Boa Viagem!
Boa Viagem!
A estrada do mar é larga. As águas passam murmurando.
Um peixe salta na luz da lanterna. Mestre Manuel vai ao leme. O Gordo vai sem
compreender. António Balduíno está estirado no saveiro, olhando o espectáculo
do mar. Do porão vem um cheiro de abacaxis maduros.
Passa um vento suave e uma estrela clara brilha no
céu. Na cabeça do negro António Balduíno aparece um samba que vem se bater nos
seus joelhos em palmadinhas compassadas.
Agora vai assobiando e em breve encontrará a sua
gargalhada perdida. O samba vai saindo e fala em mulher, em malandragem, em
negro livre, nas estrelas do céu, na estrada larga do mar.
Pergunta:
«Aonde vai parar esta estrada, Maria?...
E diz:
«As estrelas dos teus olhos está no céu…
«o barulho do teu riso está no mar…
«você está na lanterna do saveiro».
Falava assim o samba. Dizia mais que o negro António
Balduíno amava somente duas coisas: malandragem e Maria.
Malandragem na língua que ele fala quer dizer
liberdade. E Maria quer dizer mulata.
Onde irá parar essa estrada? Para mestre Manuel, que é
um velho marinheiro, ela não tem mistérios.
- Aqui , avisa ele – é onde o mar ama o rio…
Terminou a barra. Entraram no rio Paraguaçu. Nas
margens, velhos castelos feudais, ruínas de engenhos-banguês, de riquezas passadas,
têm sombras descomunais, parecendo fantasmas. Bem dizia o Gordo:
- Parece mula
de padre.
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