Ruas de Pompeia |
(A importância dos graffitis das ruínas da cidade)
Há anos visitei as ruínas da cidade de Pompeia e sobre essa visita
escrevi um texto que coloquei aqui ,
no Memórias Futuras e em cima reproduzo novamente, e no qual registava a emoção que então senti, misto de dor
pela morte horrível de todas aquelas pessoas que pareciam ter sido vítimas de
um cataclismo registado no dia anterior… e, ao mesmo tempo, a curiosidade «coscuvilheira»
de quem espreita pelo buraco da fechadura, não da porta de uma casa mas de uma
cidade escancarada e misteriosamente desabitada.
De novo, volto a Pompeia para partilhar convosco o texto de Eliana da Cunha Lopes, (Mestrado em Letras Clássicas - Latim - Professora da Faculdade Federal do Rio de Janeiro) que dá um especial
relevo aos graffiti a que já me tinha referido e que ela aborda no texto que se
segue, em pormenor e com a importância que merece:
- «Baseando-se no corpus escrito nas paredes da cidade de Pompeia,
destruída pela erupção do vulcão Vesúvio, em 79 de nossa era, o presente
trabalho buscará mostrar que as mensagens grafadas a carvão, nos muros da
cidade arrasada, transformaram-se em preciosíssimo relicário para os pesqui sadores e estudiosos do latim vulgar.
Os graffiti, do latim graphium, ou inscrições
parietais encontrados nas ruínas de Pompeia contêm, em suas estruturas,
caracteres linguísticos que nos permitem, não só uma visão da sociedade romana
antiga mas também nos auxiliam, como fonte riquíssima, no estudo e
aprofundamento do latim vulgar.
São mensagens baseadas
em diversos temas como convites sedutores, conselhos, declarações de amor ou
ódio, inveja, erotismo, súplicas etc., que nos mostram a linguagem corrente das
classes incultas de Roma da época.
Nosso trabalho é uma
pesqui sa ainda em fase de
desenvolvimento. São apenas algumas citações baseadas, exclusivamente, no latim
vulgar. Sabemos que há entre os graffiti pompeianos textos do poeta latino
Públio Ovídio Nasão mas estes textos clássicos, para o presente trabalho, não
nos interessam.
Há exactamente 2025
anos, no dia 24 de Agosto de 79 de nossa era, data que deve ser relembrada por
pesqui sadores e estudiosos do latim
vulgar, uma chuva de cinzas e pedra- pomes e sucessivos tremores de terra
transformaram o dia, na cidade da Itália, às margens do Mar Tirreno, em noite e
destruíram tudo e todos que se opunham a sua passagem.
Pompeia, cidade
produtora de vinho e azeite, viveria, naquele 24 de Agosto, um dia festivo.
Seus habitantes assistiriam a um espectáculo teatral com actores vindo de Roma
que se apresentariam no Grande Teatro, a partir das 11h da manhã prolongando-se
o espectáculo, como era de costume, até a noite. Passava das 10h da manhã. As
arqui bancadas quase repletas: os
vendedores ambulantes, com seus cestos de pão e doces, dirigiam-se para o
teatro. Nos bares ao ar livre, as thermopolia as últimas taças de posca eram saboreadas.
Os comerciantes
cerravam as últimas portas de seus estabelecimentos. O dia ensolarado e quente
convidava ao lazer. No auge dos preparativos para a festa, ouve-se uma
explosão. Era apenas o
início. A população perplexa visualiza o topo do Vesúvio. O vulcão partira-se
em dois e, do seu interior, rompe-se uma tocha de fogo. Inacreditável!!! Os
habitantes de Pompeia se entreolhavam e com uma pergunta/resposta sufocada na
garganta constataram: É uma erupção! O Vesúvio que tinha adormecido, pelo menos
por 900 anos, estava ali, diante deles, dando sinal de vida e de opulência.
Na
manhã seguinte (25 de Agosto), quando a cidade já se encontrava sob os entulhos
vulcânicos, o Vesúvio despejou toda a sua fúria em forma de gases quentes
(vapores clorídricos). A temperatura, segundo pesqui sadores,
atingiu a marca de 600 graus Celsius. Todos os habitantes de Pompeia e
Herculano foram soterrados na mais terrível erupção vulcânica. Na época, Pompeia
possuía entre 15 e 20 mil habitantes.
Acredita-se que, por serem constantes, os
terramotos nesta região, os habitantes não perceberam a gravidade de tal fenómeno.
Os pompeianos, na tentativa de fuga pelas ruas, foram mortos por asfixia e
queimados, outros, no seu próprio leito. Os que sobreviveram, foram tragados no
final da tarde do dia
25. Foi o golpe fatal, nada restando das cidades províncias.
As cidades de Pompeia
e Herculano, no sul da Itália, permaneceram, durante muito tempo, soterradas pela
erupção violenta do vulcão, sob metros e metros de cinzas e pedras.
Anos mais tarde, os
pesqui sadores efectuaram escavações
na área soterrada e descobriram um vasto material arqueológico e linguístico.
Em Pompeia, de entre
os «achados», permaneciam intactos os famosos graffiti, inscrições populares escritas, em sua
maioria, a carvão. Esta descoberta trouxe, para o latim vulgar, uma
contribuição riquíssima e ímpar.
A vantagem desta
descoberta deve-se ao fato de que as mensagens têm um carácter linguístico e
social, revelando duas faces de uma mesma moeda. De um lado, forneceu-nos uma
visão da forma de vida da sociedade de uma cidade da provincial, de outro,
levou-nos ao estudo das alterações fonéticas, morfológicas e de sintaxe de uma
das fases da língua latina: o latim vulgar.
As inscrições de Pompeia
foram estudas por Väänänen, Le latin Vulgaire des Inscriptions Pompéiennes,
Helsinki,1937 (2ª ed.,1958) e reunidas no Corpus
Inscriptionum Latinarum, conhecido
pela sigla CIL, obra grandiosa editada pela Academia das Ciências de Berlim,
iniciada em 1863 e ainda incompleta.
Dos dezasseis volumes
que compõem esta obra, que reúne inscrições de diversas cidades e regiões, o
quarto volume é de grande relevância. Nele, encontram-se registadas as
inscrições parietais, gravadas com estiletes, e em menor escala a carvão, em
paredes, monumentos, muros, banheiros etc.
Dos graffiti encontrados
na região destruída pelo vulcão, os que nos interessam são as inscrições de
cunho popular, não literária e muitas das vezes fragmentária, mas que expressam,
com clareza, a linguagem quotidiana dos soldados, colonos civis e militares e
comerciantes da época, os falantes natos do latim vulgar.
Estas inscrições registam, também, o modo de
vida dos habitantes da província mostrando os resultados dos jogos de dado,
declarações de amor ou ódio, inveja, erotismo, conselhos, súplicas etc…
Os graffiti contribuíram para o estudo filológico
e linguístico na reconstituição do latim vulgar falado. A epigrafia, ciência
que se ocupa da leitura, interpretação e datação das inscrições antigas em
material resistente como pedras, metal, argila, cera etc em muito contribuiu
para o estudo da reconstituição do latim vulgar.
O latim vulgar (vulgo
(latim) = povo) ou latim corrente, em oposição ao latim clássico, que é a norma
culta do latim, está documentado em textos epigráficos, em textos literários e
indirectamente nas línguas românicas. Não conhecemos na totalidade o latim
vulgar. O que há, na verdade, são vestígios através dos quais os filólogos
tentam reconstituir o que teria sido o latim vulgar.
O latim vulgar era uma
língua falada em Roma e suas províncias, não havendo nenhum documento oficial escrito
só nessa variedade linguística. Concentra-se neste fato a maior dificuldade
encontrada para a reconstituição desta forma linguística.
A partir do corpus escrito nas paredes da cidade de
Pompeia, analisaremos algumas inscrições à luz da morfologia, sintaxe e
fonologia.
Há cerca de 15000
inscrições parietais recolhidas de Pompeia registadas no CIL. Os graffiti são bastante numerosos e
diversificados, pelo hábito dos seus habitantes de todas as faixas etárias de
rabiscarem as paredes com carvão. O nível de língua das inscrições parietais
pompeianas varia bastante. Os habitantes locais zombavam do próprio hábito de
rabiscarem as paredes numa linguagem bastante literária, conforme atesta o
trecho abaixo:
Admiror,
paries, te non cecidisse ruinis, qui
tot scriptorum taedia sustineas.
(CIL,
IV, 1904)
«Admira-me,
parede, não teres caído em ruínas, tu que aguentas o tédio de tantos
escritores.»
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