quarta-feira, setembro 04, 2013

A Evolução da Bondade


Biólogos discutem até que ponto existe benevolência entre os seres vivos.

por Jerônimo Teixeira

 

 Muitos biólogos acreditam que somos todos seres egoístas, que buscam apenas espalhar os próprios genes e perpetuar a linhagem a que pertencemos - até em nossos actos mais benevolentes. Mas será mesmo que não existe altruísmo? Novas pesquisas mostram que a evolução pode se dar em termos bem mais caridosos do que costumamos imaginar.

É uma ironia amarga que ainda seja necessário promover campanhas contra a fome. Se você reparar bem, os hábitos sociais da espécie humana são de uma generosidade proverbial no que diz respeito à comida. Em virtualmente todas as culturas, grandes festas são acompanhadas de comilança.

 Estamos sempre oferecendo comida aos outros, seja na forma de um casual chiclete ou de uma recepção formal. E quem já não entrou numa daquelas ridículas disputas para pagar a conta no restaurante? O problema é saber se essas práticas sociais realmente se qualificam como exemplos de generosidade.

 Em inglês, um ditado muito corrente no mundo dos negócios diz que there’s no free lunch – traduzindo, “não existe almoço grátis”. Se um conhecido que você não vê há anos resolve convidá-lo para um churrasco, a desconfiança é imediata – será que ele vai pedir dinheiro emprestado?

Existe ou não almoço grátis? Esse é um dos grandes debates da biologia contemporânea. O gesto desinteressado do verdadeiro altruísmo parece ser uma impossibilidade evolutiva. Um comportamento só pode ser qualificado de altruísta se ele traz benefícios para os outros e custos para quem o pratica. Ou seja, o altruísta está diminuindo sua aptidão para favorecer a dos outros. Suas chances de sobreviver e de reproduzir são menores, enquanto todos os demais – inclusive os egoístas – levam vantagem.

 A longo prazo, o altruísta deveria ser levado à extinção, deixando o caminho livre para que o egoísmo grasse como erva daninha.
A luta pela sobrevivência parece favorecer mais os George Soros do que as madres Teresas. E no entanto ainda existem altruístas entre nós (ou não?). Como pode ter evoluído uma característica que parece anti-evolutiva? Há várias explicações. Antes de voltarmos ao almoço, é preciso remontar à história dessa discussão na biologia.


Egoísmo molecular


Para o biólogo Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, a evolução do altruísmo é o problema teórico central da socio-biologia, ciência que busca entender em bases biológicas o comportamento social de animais. A questão já intrigava o próprio naturalista inglês Charles Darwin, que em 1871, na obra A Origem do Homem, utilizou a selecção de grupo para explicar a evolução da moralidade humana.

O comportamento moral, ensina Darwin, não traz vantagem para o indivíduo, que lucraria mais desobedecendo às regras para agir de acordo com sua vontade própria. Mas uma tribo regida por valores que enfatizem “o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e solidariedade” certamente será mais coesa e organizada e assim terá maiores chances de vitória na disputa por recursos naturais ou territórios com tribos menos virtuosas. A selecção natural, portanto, agiria não somente sobre indivíduos, mas também sobre grupos competidores.

Darwin, no entanto, colocava mais ênfase na selecção individual, na luta de cada um contra todos, e não desenvolveu plenamente o conceito de selecção de grupo. Na primeira metade do século XX, os cientistas usavam os diferentes níveis de selecção sem muito rigor. Recorriam ao grupo ou ao indivíduo conforme a idiossincrasia ou a conveniência ditassem. A selecção de grupo ganhou versões esquisitas. Acreditava-se até que os pássaros regulariam o número de ovos para evitar a explosão populacional, garantindo assim que todos tivessem seu quinhão de recursos naturais.

 A algazarra das aves em seus ninhos seria uma prova da natureza conscienciosa dessas criaturas: cantando e ouvindo suas parceiras cantar, elas conseguiriam aferir a densidade populacional da espécie. Ninguém ainda provou que as aves são capazes de conduzir essa curiosa forma de censo. Alguns ornitólogos sugerem que os pássaros na verdade diminuem o número de ovos quando há pouca comida.

Vale a pena lembrar que Darwin montou a teoria da selecção natural sem sequer desconfiar da existência dos genes.
(continua) 

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