A Evolução da Bondade
Biólogos discutem até que ponto existe benevolência entre os seres vivos.
por
Jerônimo Teixeira
Muitos biólogos acreditam que somos todos seres
egoístas, que buscam apenas espalhar os próprios genes e perpetuar a linhagem a
que pertencemos - até em nossos actos mais benevolentes. Mas será mesmo que não
existe altruísmo? Novas pesqui sas
mostram que a evolução pode se dar em termos bem mais caridosos do que
costumamos imaginar.
É uma ironia amarga que ainda seja necessário
promover campanhas contra a fome. Se você reparar bem, os hábitos sociais da
espécie humana são de uma generosidade proverbial no que diz respeito à comida.
Em virtualmente todas as culturas, grandes festas são acompanhadas de
comilança.
Estamos sempre oferecendo comida aos outros, seja na forma de um
casual chiclete ou de uma recepção formal. E quem já não entrou numa daquelas
ridículas disputas para pagar a conta no restaurante? O problema é
saber se essas práticas sociais
realmente se qualificam como exemplos de generosidade.
Em inglês, um ditado
muito corrente no mundo dos negócios diz que there’s no free lunch –
traduzindo, “não existe almoço grátis”. Se um conhecido que você não vê há anos
resolve convidá-lo para um churrasco, a desconfiança é imediata – será que ele
vai pedir dinheiro emprestado?
Existe ou não almoço grátis? Esse é um dos grandes debates da biologia contemporânea. O gesto desinteressado do verdadeiro altruísmo parece ser uma impossibilidade evolutiva. Um comportamento só pode ser qualificado de altruísta se ele traz benefícios para os outros e custos para quem o pratica. Ou seja, o altruísta está diminuindo sua aptidão para favorecer a dos outros. Suas chances de sobreviver e de reproduzir são menores, enquanto todos os demais – inclusive os egoístas – levam vantagem.
A longo prazo, o
altruísta deveria ser levado à extinção, deixando o caminho livre para que o
egoísmo grasse como erva daninha.
A luta pela sobrevivência parece favorecer mais os
George Soros do que as madres Teresas. E no entanto ainda existem altruístas
entre nós (ou não?). Como pode ter evoluído uma característica que parece
anti-evolutiva? Há várias explicações. Antes de voltarmos ao almoço, é preciso
remontar à história dessa discussão na biologia.
Egoísmo molecular
Para o biólogo Edward O. Wilson, da Universidade de
Harvard, Estados Unidos, a evolução do altruísmo é o problema teórico central
da socio-biologia, ciência que busca entender em bases biológicas o
comportamento social de animais. A questão já intrigava o próprio naturalista
inglês Charles Darwin, que em 1871, na obra A Origem do Homem, utilizou a
selecção de grupo para explicar a evolução da moralidade humana.
O comportamento moral, ensina Darwin, não traz vantagem para o indivíduo, que lucraria mais desobedecendo às regras para agir de acordo com sua vontade própria. Mas uma tribo regida por valores que enfatizem “o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e solidariedade” certamente será mais coesa e organizada e assim terá maiores chances de vitória na disputa por recursos naturais ou territórios com tribos menos virtuosas. A selecção natural, portanto, agiria não somente sobre indivíduos, mas também sobre grupos competidores.
O comportamento moral, ensina Darwin, não traz vantagem para o indivíduo, que lucraria mais desobedecendo às regras para agir de acordo com sua vontade própria. Mas uma tribo regida por valores que enfatizem “o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e solidariedade” certamente será mais coesa e organizada e assim terá maiores chances de vitória na disputa por recursos naturais ou territórios com tribos menos virtuosas. A selecção natural, portanto, agiria não somente sobre indivíduos, mas também sobre grupos competidores.
Darwin, no entanto, colocava mais ênfase na selecção
individual, na luta de cada um contra todos, e não desenvolveu plenamente o
conceito de selecção de grupo. Na primeira metade do século XX, os cientistas
usavam os diferentes níveis de selecção sem muito rigor. Recorriam ao grupo ou
ao indivíduo conforme a idiossincrasia ou a conveniência ditassem. A selecção de
grupo ganhou versões esqui sitas.
Acreditava-se até que os pássaros regulariam o número de ovos para evitar a
explosão populacional, garantindo assim que todos tivessem seu qui nhão de recursos naturais.
A algazarra das aves em seus ninhos seria uma prova da natureza conscienciosa dessas criaturas: cantando e ouvindo suas parceiras cantar, elas conseguiriam aferir a densidade populacional da espécie. Ninguém ainda provou que as aves são capazes de conduzir essa curiosa forma de censo. Alguns ornitólogos sugerem que os pássaros na verdade diminuem o número de ovos quando há pouca comida.
A algazarra das aves em seus ninhos seria uma prova da natureza conscienciosa dessas criaturas: cantando e ouvindo suas parceiras cantar, elas conseguiriam aferir a densidade populacional da espécie. Ninguém ainda provou que as aves são capazes de conduzir essa curiosa forma de censo. Alguns ornitólogos sugerem que os pássaros na verdade diminuem o número de ovos quando há pouca comida.
Vale a pena lembrar que Darwin montou a teoria da selecção
natural sem sequer desconfiar da existência dos genes.
(continua)
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