DOMINGO (chuvoso...)
(Na minha cidade de Santarém)
Tratar o que é diferente como igual e
igual o que é diferente constitui a maior injustiça deste mundo. Foi isto que
aconteceu com a globalização, a maior golpada deste século.
Quando decidiram que os produtos
chineses entrariam livremente em Portugal, na Europa e no mundo, pela integração daquele país na Organização Mundial do Comércio, esqueceram-se das condições de
profunda desigualdade existentes entre a sociedade chinesa e as do mundo
ocidental em que os produtos iriam ser vendidos.
Eu estava ainda a trabalhar no Instituto
de Emprego e acompanhava pequenas empresas fortemente empregadoras de
mão-de-obra que trabalhando a “feitio” se limitavam a vender os baixos custos
de mão-de-obra dos seus trabalhadores, especialmente mulheres.
Não era muito dignificante, nem fazia prever grande futuro porque se tratava do aproveitamento de uma situação de
conjuntura em que empresas estrangeiras, alemãs e de outros países nórdicos, se
aproveitavam dos baixos preços da mão-de-obra portuguesa para lhes entregarem a
confecção de peças de vestuário com margens de preço muito pequenas apenas
superadas pelas excepcionais qualidades de trabalho das mulheres portugueses mas, a verdade, é que então o desemprego se situava nos 4%, praticamente pleno emprego.
Mesmo assim, esses baixos preços de nada
valeram. Primeiro, os países de Leste, saídos recentemente da União Soviética e
do Sistema Comunista com níveis de vida baixíssimo e quase em simultâneo a
entrada dos produtos chineses no mercado que eliminaram milhares de postos de
trabalho no sector dos produtos manufacturados, especialmente o têxtil, o mais
atingido.
No último Domingo, na feira que tem
lugar em Santarém qui nzenalmente, a
minha mulher viu à venda camiseiros a 50 cêntimos, meio euro, cada um…
Mas afinal porque são tão baratos e
competitivos os produtos chineses?
Economistas especializados em comércio
internacional respondem com uma combinação entre lobby do governo e um enorme
contingente de trabalhadores e mão-de-obra barata.
O principal trunfo dos chineses foram
sempre os seus mil e trezentos milhões de cidadãos, sem direitos de trabalho o
que embaratece sete ou oito vezes os custos de produção.
A China é uma ditadura onde não existem
direitos dos trabalhadores, sindicatos ou greves. Os camponeses, que são quase
500 milhões querem desesperadamente trabalhar nas cidades e as empresas
aproveitam-se disso para formarem verdadeiros exércitos de robôs que trabalham
catorze horas por dia ganhando pouco mais que cem euros mensais.
Em 2001, com a entrada oficial da China
na Organização Mundial do Comércio, esta exploração aumentou. Por esta altura,
um outro fenómeno conhecido na economia global como “Offshoring” - transferência
para outra localidade de uma empresa onde produzirá exactamente o mesmo produto, exactamente da mesma
maneira, só que com mão-de-obra mais barata, uma carga tributária menor,
energia subsidiada e menores gastos com os planos de saúde dos funcionários - consolidou-se no país. As grandes empresas de
marcas já não se limitam a fabricar componentes, montam e fabricam todo o
produto na China.
Alguns empresários chineses começaram
logo a falsificar e a contrabandear mercadorias com a ajuda do governo que não
reconhece os Direitos de Autor. É uma questão cultural: original ou imitação é
para eles a mesma coisa, têm o mesmo valor, o que poupa problemas de consciência... se ela tivesse alguma interferência nestes assuntos.
E portanto, é simples: o gerente de uma
fábrica domina o processo e monta a sua própria empresa reproduzindo, de maneira
precária, o que aprendeu dando lugar às reproduções de sapatilhas da Nike e de
outros produtos.
Os países europeus têm problemas de
competitividade, o desemprego sobe, os salários descem e o nível de vida
ressente-se e entretanto a Srª Merkel tem o seu melhor resultado de sempre
porque, diz o cidadão anónimo alemão, ela tem “uma atitude alemã”… Espera-se que não
seja a mesma que levou o povo alemão a seguir Hitler e o nazismo com as
consequências que se conhecem…
Mas
o que se vê, no entanto, é uma política de “mini-jobs”, “partes-times” mal
pagos e com dispensa de descontos para a Segurança Social.
Com a Globalização, Offshorings,
Offshors, Paraísos Fiscais, Grandes Fundos de Investimento especulando no mundo
da economia, ter-se-á aberto a Caixa de Pandora?
A europa tem 9% da população mundial,
25% do PIB e 50% de todas as despesas no mundo com o Estado Social o que constitui
a “marca” da nossa sociedade: Protecção na Saúde, Velhice, Desemprego, Escola
Pública e todo aquele conjunto de Direitos decorrentes da Revolução Francesa e
que, sendo motivo do nosso justificado orgulho, parece estar a constituir um empecilho para a
competitividade no entender de alguns neo-liberais.
A Alemanha é, sem dúvida, e mérito tem
por este facto, o país motor da Europa, líder científico e tecnológico em
vários domínios e por conseguinte possui uma grande responsabilidade no futuro
europeu.
Que a Srª Merkel, na qualidade de líder
da economia mais rica e poderosa da europa, queira trazer para os países
europeus precisados de ajuda, rigor e disciplina nas suas finanças não me
escandaliza, parece-me até bem mas… alinhar numa política que não leva em linha
de conta o tempo necessário para esses ajustamentos acontecerem, parece-me
“criminoso” do ponto de vista social e humano.
A competitividade com o mundo de que a
China é o maior representante, à custa do Estado Social e das conqui stas dos cidadãos europeus é um caminho perigoso,
mesmo fatal para o chamado mundo ocidental.
A Europa e a Ásia são duas realidades
tão distintas que não podem ser olhadas da mesma forma… Tratar diferente o que
é diferente e perceber que os interesses dos cidadãos europeus não têm que se
subjugar ao grande capital financeiro na ânsia de lucros que podem estar
envenenados.
Sacrificar a Europa aos interesses de
meia dúzia de senhores que vão montar fábricas nos países asiáticos para se
aproveitarem das condições miseráveis de trabalho que reflectem o estado de
vida dessas populações é um erro crasso.
Em Maio último, uma dessas fábricas têxtil no Bangladesh, também de capitais europeus, por desprezo das condições de segurança dos trabalhadores, ruiu e 700 pessoas morreram. As imagens das vítimas esmagadas nos escombros passaram por todas as televisões para vergonha de quem acumula lucros dessa maneira.
Em Maio último, uma dessas fábricas têxtil no Bangladesh, também de capitais europeus, por desprezo das condições de segurança dos trabalhadores, ruiu e 700 pessoas morreram. As imagens das vítimas esmagadas nos escombros passaram por todas as televisões para vergonha de quem acumula lucros dessa maneira.
As
instituições europeias devem pensar a sério a sua organização. Não podem continuar
a ser apenas um lugar para meia dúzia de privilegiados em representação dos
seus países ganharem bons ordenados.
Se em tudo o que é importante para a
Europa quem decide e como decide é a Alemanha… então, tenham a coragem de
denunciarem a situação e virem embora.
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