domingo, setembro 29, 2013

Largo do Seminário ou do Marquês Sá da Bandeira
HOJE É 

DOMINGO  (chuvoso...)

(Na minha cidade de Santarém)



Tratar o que é diferente como igual e igual o que é diferente constitui a maior injustiça deste mundo. Foi isto que aconteceu com a globalização, a maior golpada deste século.

Quando decidiram que os produtos chineses entrariam livremente em Portugal, na Europa e no mundo, pela integração daquele país na Organização Mundial do Comércio, esqueceram-se das condições de profunda desigualdade existentes entre a sociedade chinesa e as do mundo ocidental em que os produtos iriam ser vendidos.

Eu estava ainda a trabalhar no Instituto de Emprego e acompanhava pequenas empresas fortemente empregadoras de mão-de-obra que trabalhando a “feitio” se limitavam a vender os baixos custos de mão-de-obra dos seus trabalhadores, especialmente mulheres.

Não era muito dignificante, nem fazia prever grande futuro porque se tratava do aproveitamento de uma situação de conjuntura em que empresas estrangeiras, alemãs e de outros países nórdicos, se aproveitavam dos baixos preços da mão-de-obra portuguesa para lhes entregarem a confecção de peças de vestuário com margens de preço muito pequenas apenas superadas pelas excepcionais qualidades de trabalho das mulheres portugueses mas, a verdade, é que então o desemprego se situava nos 4%, praticamente pleno emprego.  

Mesmo assim, esses baixos preços de nada valeram. Primeiro, os países de Leste, saídos recentemente da União Soviética e do Sistema Comunista com níveis de vida baixíssimo e quase em simultâneo a entrada dos produtos chineses no mercado que eliminaram milhares de postos de trabalho no sector dos produtos manufacturados, especialmente o têxtil, o mais atingido.

No último Domingo, na feira que tem lugar em Santarém quinzenalmente, a minha mulher viu à venda camiseiros a 50 cêntimos, meio euro, cada um…

Mas afinal porque são tão baratos e competitivos os produtos chineses?

Economistas especializados em comércio internacional respondem com uma combinação entre lobby do governo e um enorme contingente de trabalhadores e mão-de-obra barata.

O principal trunfo dos chineses foram sempre os seus mil e trezentos milhões de cidadãos, sem direitos de trabalho o que embaratece sete ou oito vezes os custos de produção.

A China é uma ditadura onde não existem direitos dos trabalhadores, sindicatos ou greves. Os camponeses, que são quase 500 milhões querem desesperadamente trabalhar nas cidades e as empresas aproveitam-se disso para formarem verdadeiros exércitos de robôs que trabalham catorze horas por dia ganhando pouco mais que cem euros mensais.

Em 2001, com a entrada oficial da China na Organização Mundial do Comércio, esta exploração aumentou. Por esta altura, um outro fenómeno conhecido na economia global como “Offshoring” -  transferência para outra localidade de uma empresa onde produzirá exactamente o mesmo produto, exactamente da mesma maneira, só que com mão-de-obra mais barata, uma carga tributária menor, energia subsidiada e menores gastos com os planos de saúde dos funcionários -  consolidou-se no país. As grandes empresas de marcas já não se limitam a fabricar componentes, montam e fabricam todo o produto na China.

Alguns empresários chineses começaram logo a falsificar e a contrabandear mercadorias com a ajuda do governo que não reconhece os Direitos de Autor. É uma questão cultural: original ou imitação é para eles a mesma coisa, têm o mesmo valor, o que poupa problemas de consciência... se ela tivesse alguma interferência nestes assuntos.

E portanto, é simples: o gerente de uma fábrica domina o processo e monta a sua própria empresa reproduzindo, de maneira precária, o que aprendeu dando lugar às reproduções de sapatilhas da Nike e de outros produtos.

Os países europeus têm problemas de competitividade, o desemprego sobe, os salários descem e o nível de vida ressente-se e entretanto a Srª Merkel tem o seu melhor resultado de sempre porque, diz o cidadão anónimo alemão,  ela tem “uma atitude alemã”… Espera-se que não seja a mesma que levou o povo alemão a seguir Hitler e o nazismo com as consequências que se conhecem…

 Mas o que se vê, no entanto, é uma política de “mini-jobs”, “partes-times” mal pagos e com dispensa de descontos para a Segurança Social.

Com a Globalização, Offshorings, Offshors, Paraísos Fiscais, Grandes Fundos de Investimento especulando no mundo da economia, ter-se-á aberto a Caixa de Pandora?

A europa tem 9% da população mundial, 25% do PIB e 50% de todas as despesas no mundo com o Estado Social o que constitui a “marca” da nossa sociedade: Protecção na Saúde, Velhice, Desemprego, Escola Pública e todo aquele conjunto de Direitos decorrentes da Revolução Francesa e que, sendo motivo do nosso justificado orgulho, parece estar a constituir um empecilho para a competitividade no entender de alguns neo-liberais.

A Alemanha é, sem dúvida, e mérito tem por este facto, o país motor da Europa, líder científico e tecnológico em vários domínios e por conseguinte possui uma grande responsabilidade no futuro europeu.

Que a Srª Merkel, na qualidade de líder da economia mais rica e poderosa da europa, queira trazer para os países europeus precisados de ajuda, rigor e disciplina nas suas finanças não me escandaliza, parece-me até bem mas… alinhar numa política que não leva em linha de conta o tempo necessário para esses ajustamentos acontecerem, parece-me “criminoso” do ponto de vista social e humano.

A competitividade com o mundo de que a China é o maior representante, à custa do Estado Social e das conquistas dos cidadãos europeus é um caminho perigoso, mesmo fatal para o chamado mundo ocidental.

A Europa e a Ásia são duas realidades tão distintas que não podem ser olhadas da mesma forma… Tratar diferente o que é diferente e perceber que os interesses dos cidadãos europeus não têm que se subjugar ao grande capital financeiro na ânsia de lucros que podem estar envenenados.

Sacrificar a Europa aos interesses de meia dúzia de senhores que vão montar fábricas nos países asiáticos para se aproveitarem das condições miseráveis de trabalho que reflectem o estado de vida dessas populações é um erro crasso. 

Em Maio último, uma dessas fábricas têxtil no Bangladesh, também de capitais europeus, por desprezo das condições de segurança dos trabalhadores, ruiu e 700 pessoas morreram. As imagens das vítimas esmagadas nos escombros passaram por todas as televisões para vergonha de quem acumula lucros dessa maneira.

As instituições europeias devem pensar a sério a sua organização. Não podem continuar a ser apenas um lugar para meia dúzia de privilegiados em representação dos seus países ganharem bons ordenados. 


Se em tudo o que é importante para a Europa quem decide e como decide é a Alemanha… então, tenham a coragem de denunciarem a situação e virem embora.

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