quinta-feira, setembro 05, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 103


Foi pelo mar, num navio negro cheio de luzes. Se ela estivesse ali eles se amariam no silêncio do mato. O negro olha as estrelas. Quem sabe se dos Reis não está olhando estas mesmas estrelas?

Estrela está em todo o lugar. Serão as mesmas? – pensa António Balduíno. Dos Reis está vendo esta estrela e Lindinalva também. Quando pensa em Lindinalva se aborrece. Porque está pensando nela? Ela é branca, tem sardas no rosto, e não dá ousadia a um negro como ele.

É melhor pensar em Zéquinha estendido no barro com um punhal nas costas, que pensar em Lindinalva que odeia o negro. Se ela soubesse que ele está ali fugido, sem dúvida contaria à polícia.

Dos Reis o esconderia, mas Lindinalva não. António Balduíno abre os lábios grossos num sorriso porque se lembra que Lindinalva não sabe de nada e não poderia denunciá-lo.

Fica irritado contra as estrelas que o fazem pensar em Lindinalva. Viriato, o Anão, tinha raiva das estrelas. Uma vez lhe dissera. Quando? António Balduíno não se recordava. Viriato quase só conversava sobre a sua tristeza de ser sozinho. E um dia entrou pelo caminho do mar, como aquele outro velho que foi retirado da água numa noite em que os homens do cais carregavam um navio sueco.

Será que Viriato encontrou a sua casa? O Gordo diz que quem se mata vai para o inferno. Mas o Gordo é maluco, não sabe o que diz. António Balduíno está com saudades do Gordo.

O Gordo também não sabe nada, não sabe que ele matou Zéquinha com uma punhalada nas costas. Fazia já quinze dias que o Gordo se fora, cheio de saudades da avó que não tinha, na Baía, quem lhe desse comida na boca.

O Gordo é muito bom, incapaz de dar uma punhalada em alguém. Nunca foi homem para uma briga. António Balduíno se lembra perfeitamente dos dias de infância mendigando na Baía.

O Gordo sabia pedir esmolas como nenhum. Mas para brigar não servia. Filipe, o Belo, ria dele. Era bonito, Filipe o Belo. Quando ele morreu debaixo do automóvel, no dia do seu aniversário, todo o mundo chorou.

O seu enterro pareceu enterro de rico. As mulheres da rua de Baixo levaram flores. Uma francesa velha chorava. Era a mãe de Filipe. E tinham vestido nele uma roupa bonita de casimira e tinham posto uma gravata nova.

Filipe devia ter ficado contente. Ele era elegante, gostava de uma gravata… António Balduíno brigou uma vez por causa dele. Sorri ao se recordar do facto.

Fora uma surra bonita que dera no Sem Dentes. Sem Dentes também viera com um canivete em cima dele e ele não puxara arma nenhuma.

Com Zéquinha ele puxara o punhal. Agora ele está certo que não gostava de Zéquinha, que implicara com aquela cara desde o primeiro dia. E se não fosse ele que o apunhalasse, outro o apunhalaria.

O negro Filomeno também tinha uma sede danada por Zéquinha. E tudo aquilo por causa de Arminda. Para que Zéquinha se amigou com ela? Eles tinham chegado antes.

Na noite da sentinela, António Balduíno só não a levou para casa porque a morta não o largava com aqueles olhos inchados.

Site Meter