Episódio nº 134
A cidade pequena, menor ainda que a
Feira de Sant’Ana, lugar de professora de primeira classe é difícil de
conseguir. Mas casa nesses lugares é barata. Teria um jardinzinho na frente
onde ela cultivaria flores, cravos que eram a sua paixão, e onde haveria um
banco para ler os seus velhos romances de capas amarelas.
A escola funcionaria na própria casa.
Elvira ensinaria as crianças e ela ajudaria a filha nos trabalhos domésticos.
Faria a comida, arrumaria a casa, botaria flores, cravos vermelhos, na mesa da
professora.
Seria uma avó para as crianças que
aprenderiam com Elvira as primeiras letras. Conheceria toda a gente da cidade.
Ninguém saberia que ela fora artista de circo, cantora nos teatros vagabundos
de variedades, marafona nos dias maus.
Os cabelos brancos lhe haviam de dar um
ar maternal de senhora boa e pobre. Seria uma velhice feliz. Faria rendas –
ainda se recordará? – para os vestidos das garotinhas mais novas.
Seria amada por todos e especialmente
por Elvira. Quando a velhice baixasse completamente sobre ela, Elvira a
deitaria no colo e alisaria a sua cabeça como ela fazia com as crianças.
A casa teria um jardim na frente com
cravos vermelhos. Mas para isso tudo era preciso ser forte, passar por má, por
estraga-prazeres.
E rubra de pudor, mostrou a carta da
directora do colégio, desvendou o seu segredo. Luigi ficou comovido, botou as
mãos nos seus ombros e prometeu:
-
Eu lhe garanto Fifi, que depois da representação eu lhe pago. Nem que tenha de
ficar sem comida para o leão.
O público assobiava, vaiava os
mata-cachorros, consultava relógios.
A pantomina começou. Tinha uma hora que
António Balduíno beijava Rosenda Rosedá. O negro não sabia o seu papel direito,
nunca dera para decorar as coisas, mas da hora do beijo se recordava
perfeitamente.
Sorria, piscava o olho para Rosenda que
aparentava não dar pela coisa. Mas quando chegou a hora, o negro estampou um
beijo na cara da dançarina e disse-lhe ao ouvido:
-
Na boca é que é gostoso…
A pantomina fez muito sucesso.
Giusepe deve estar na sua barraca a
rever aquele álbum de fotografias. Robert fora para o cabaré local arranjar uma
mulher de graça com seu cabelo alisado.
Fifi escrevia uma carta à directora do
colégio pedindo desculpas pelo atraso do pagamento e enviando o dinheiro dos
dois meses.
À luz da vela que aparecia na barraca
distante António Balduíno via Luigi fazendo contas.
Coitado, andava atrapalhado com aquele
circo. Por mais sucesso que fizesse, as coisas estavam já estavam tão
encravadas que não havia santo que salvasse.
Porque será que Rosenda demora tanto
para mudar a roupa? Ele a espera na porta do circo, a tabuleta de luzes
apagadas bem por cima da sua cabeça.
O leão urra. Deve ser fome. Ele anda
magro, só tem ossos.
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