Episódio Nº 138
Mas por que é que o rapaz está rindo?
Ela também quer rir, quer rir muito da cachaça do negro, mas não pode, tem um
nó na garganta. Uma angústia repentina a toma toda a ela, sem explicações,
abandona o homem que ainda ri sem compreender, e vai sozinha para o seu quarto,
onde dorme um sonho de virgem do qual não acordará mais porque tomou cianureto.
No cabaré, António Balduíno, cada vez
mais bêbedo canta entre aplausos e toma a velha de Robert, o equi librista. Sai um princípio de barulho com o dono
do cabaré porque eles não têm com que pagar as bebidas.
Ao voltar para o Circo entra na barraca
de Rosenda Rosedá, que foi para isso mesmo que ele bebeu tanto.
Luigi vive de lápis em punho fazendo
contas. E se ele berra tanto na sua jaula não é de ferocidade que ele é tão
manso como o cavalo Furacão.
Ele berra assim é de fome, porque nem
dinheiro para a sua comida o circo tem.
Não adianta Luigi fazer tantas contas.
Há dois dias que Giusepe não bebe, porque nem para uma pinga ele arranja
dinheiro e ninguém lhe fia mais. E para Giusepe a vida é triste sem cachaça.
A cachaça o transporta ao passado, trás
para junto de si aquelas a quem ele amou e que já morreram. Sem bebida ele tem
que tomar conhecimento das dificuldades do circo, da falta de dinheiro que
torna os artistas brutos e preguiçosos.
Nunca mais o circo pegou uma enchente
como a da noite da estreia. Esses 15 dias em Feira de Sant’Ana têm sido maus.
Em dois espectáculos o circo deu todos os números e em dois espectáculos toda a
população veio ao circo.
Só na outra segunda-feira ainda houve
gente: alguns camponeses que ficaram na feira. Assim mesmo poucos porque não
havia luta e eles gostavam era de luta.
Não tinha aparecido mais nenhum
adversário para António Balduíno. Não valera a pena a Empresa aumentar para dez
contos o prémio para o vencedor, e Baldo, o boxer, apostar dois contos na sua
vitória.
A fama do negro correra pela redondeza e
ninguém queria passar pela vergonha de apanhar. Agora António Balduíno
suspendia marombas nos espectáculos pouco frequentados do circo, lutava com o
urso que se deixava vencer com a maior facilidade, e terminou acompanhando
Rosenda Rosedá ao violão. Para ele pouco importava que existisse ou não
dinheiro.
Havia Rosenda. Não pensava noutra coisa.
As noites passadas com Rosenda pagavam bem a maçada de suportar os porres de
Giusepe, o silêncio de Robert, as queixas de Bolão que vivia se lastimando da
vida.
“Que abandonara o curso no segundo ano,
tinha tirado até boas notas no exame, a não ser em Direito Civil que
passara com simplesmente 4 por perseguição do professor, que não gostava dele
desde a vaia na aula.
O pai de Bolão parecia rico, toda a
gente dizia que ele estava cheio do burro do dinheiro. O velho gastava como
homem de posses: morava numa casa de aluguer caro, piano para a filha,
professores de francês e inglês, projectos de viagem à Europa.
Era cardíaco e disso ninguém falava, nem
ele sabia. Morreu de repente quando atravessava a rua. Foram ver, só tinha
deixado dívidas. Fora assim que Bolão terminara, usando o apelido que lhe
tinham posto no colégio, no picadeiro de um circo, vestido de azul com estrelas
amarelas e uma lua vermelha nos fundilhos”.
Repetia aquela história diariamente para
terminar dizendo sempre:
-
Podia ter me formado… Me metia na política que sempre dei prá coisa e hoje era
capaz de estar deputado.
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