segunda-feira, novembro 18, 2013

Do Taboão, as mulheres só saem para o cemitério...

Episódio Nº 165

No quarto o rapaz pergunta o nome que ela tem, quer saber de toda a sua vida, diz que é poeta, recita versos, conta a doença da mãe que está no sertão, diz que ela é linda como as acácias, compara os seus cabelos aos trigais, promete fazer um soneto sobre ela.

A vitrola se desespera num samba na sala de jantar. O rapaz gosta é de um tango bem romântico. Pergunta a opinião de Linda sobre política:

 - É uma nojeira não é?

Foi assim a recepção de Linda.


Lindinalva desceu várias ladeiras. Foi ficar bem perto da cidade baixa, foi ficar perto da Ladeira do Taboão.

Da Ladeira do Taboão as mulheres só saiam ou para o hospital ou para o necrotério. De qualquer maneira saíam de automóvel: ou na assistência ou no carro vermelho dos cadáveres.

Na Ladeira do Taboão as toalhas nas janelas e caras negras nas portas.

Lindinalva tinha ido ver Gustavinho que convalescia do sarampo. Ele estirou os braços e sorrio na alegria de rever a mãe:

 - Mamã, mamãe…

Depois faz uma cara séria e pergunta:

 - Quando tu é que vem morar com a gente, mamãe?

 - Mamãe vem, filhinho, um dia deste.

 - Quando você vier vai ser bom mamãe.

Lindinalva passou junto do velho elevador que liga as cidades baixa e alta. Sorriu para o sorriso do condutor do bonde e seguiu para o nº 32 onde alugara o quarto.

Gustavinho precisava engordar. Com o sarampo, emagrecera. Empurrou a porta colonial, pesada, com uma argolona.

O nº 32 estava escrito com tinta azul clara, um número muito grande. Gritaram lá de cima:

 - Quem é?

Lindinalva foi subindo as escadas sujas. Tinha os olhos quase fechados, o peito arfava. Passara a noite pensando… A princípio tentara dormir mas quando conciliou o sono teve pesadelos horríveis, onde via mulheres sifilíticas de dedos enormes, todas juntas na porta de um hospitalzinho minúsculo.

Carregavam um carro de assistência… Era o corpo do comendador que morrera na casa de uma mulher da vida… E depois era o corpo de Gustavinho que morrera de sarampo…

De repente acabou tudo e ficou sòmente o negro António Balduíno dando grandes gargalhadas de gozo com uma nota de cinco mil reis e uns níqueis na mão.

Acordou suada, bebeu água.

Noite horrível da sua vida. Lindinalva agora não pensava. Afinal era o destino… O destino era assim mesmo. Para uns, bom, para outros, miserável. Cada pessoa já nasce com o seu destino, ele não vem da Nau Catarineta. O destino dela era ruim, que jeito ela podia dar?
~
Subia as escadas condenada. Na véspera a mulata que alugava os quartos do quinto andar fora franca:

 - Daqui, meu amor, ou para a assistência ou para o buraco…

Olhou  o céu pela janela:

 - Já vi sair tantas…

Lindinalva sobe as escadas com os olhos distantes. Onde andará aquela Lindinalva que ria e brincava no Parque da Nazaré?

Ela vai curvada e as suas faces magras levam lágrimas que rolam. Lindinalva chora, sim… Caem lágrimas dos seus olhos, lágrimas que lavam a sujeira da escada.

Lindinalva vai curva, o rosto sardento e branco escondido no braço. Deslizam lágrimas pela sua face triste.

Lindinalva tem um filho e gostaria de viver para ele. Mas da Ladeira do Taboão as mulheres só saem para o cemitério.

No quinto andar uma mulher diz a outra.

 - É a Sardenta que vem chegando. Nada de conversas porque a pobre vem chorando…

Essa voz que fala tem uma piedade ardente.

Foi assim a recepção da Sardenta.

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