Episódio Nº 160
RIMANCE DA NAU CATARINETA
Lindinalva lia na varanda poesias de amor, romances românticos.
Gostava da “Nau Catarineta”.
«Lá vem a Nau Catarineta
Que tem muito que contar».
A Nau Catarineta podia
trazer-lhe um noivo, quem sabe. Uma vez um menino que pedia esmolas dissera que
seu noivo viria no bojo de um navio cortando os mares. Ela o espera. E enquanto
espera lê na varanda romances românticos, poesias de amor.
Depois do casamento da moça
do sobrado defronte, a Travessa Zumbi dos Palmares perdeu o que lhe restava de
poesia. Nunca mais o rapaz cruzou a rua e atirou cravos na varanda.
Os noivos foram morar numa
rua movimentada e o sobrado fechou completamente as suas janelas, encobrindo o
retrato do jovem militar que matara com a sua morte toda a alegria daquela
família,
Lindinalva se entristeceu
quando eles se casaram. Ela ficava dos jardins do Comendador a olhar o namoro
da vizinha e no cravo que o rapaz jogava para a namorada ela tinha uma parte.
Aquele namoro era motivo
romântico da rua. Depois casaram e Lindinalva que nunca conversara com a
vizinha se sentiu mais isolada, mais solitária.
Amélia envelhecia na
cozinha. Um ano depois de António Balduíno ter fugido, Lindinalva chorou a
morte da mãe. O Comendador se dividia entre os negócios e os amores fáceis que
arranjava.
Dera de beber (desgostos,
diziam os vizinhos) e Lindinalva vivia abandonada no casarão, onde os gansos
haviam morrido e as flores murchavam.
Lindinalva lia a história da
Nau Catarineta e despetalava rosas. Um dia seu noivo chegara num navio.
Lindinalva sonhou tanto com isso que não teve surpresa quando soube que Gustavo
(Dr. Gustavo Barreiras, advogado, das melhores famílias da capital) chegara há
pouco do Rio trazendo uma carta de bacharel e uma vontade decidida de fazer
fortuna.
Foi advogado do Comendador
num negócio e assim conheceu Lindinalva. As sardas do rosto se não deixavam
Lindinalva ser bonita, a tornavam esqui sita.
E corpo magro de seios altos e pontudos tentavam os olhos do advogado.
O noivado correu risonho e a
Travessa Zumbi dos Palmares adqui riu
nova vida. Andavam de passeio de braço dado e ele dizia coisas românticas.
Do grande sobrado defronte
as papoilas se debruçavam no muro para ver os namorados. Papoilas vermelhas,
carnudas como lábios.
Ele disse uma vez:
- As papoilas convidam ao pecado… - e a
beijara.
O vento baloiçava as
papoilas. Lindinalva era tão feliz que esquecera o negro António Balduíno com
quem sonhava nas noites de pesadelo.
Sonhava agora com o noivo,
com uma casinha, um jardim com papoilas, muitas papoilas vermelhas como
pecados…
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