terça-feira, novembro 12, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 160




RIMANCE DA NAU CATARINETA


Lindinalva lia na varanda poesias de amor, romances românticos. Gostava da “Nau Catarineta”.



«Lá vem a Nau Catarineta
Que tem muito que contar».


A Nau Catarineta podia trazer-lhe um noivo, quem sabe. Uma vez um menino que pedia esmolas dissera que seu noivo viria no bojo de um navio cortando os mares. Ela o espera. E enquanto espera lê na varanda romances românticos, poesias de amor.

Depois do casamento da moça do sobrado defronte, a Travessa Zumbi dos Palmares perdeu o que lhe restava de poesia. Nunca mais o rapaz cruzou a rua e atirou cravos na varanda.

Os noivos foram morar numa rua movimentada e o sobrado fechou completamente as suas janelas, encobrindo o retrato do jovem militar que matara com a sua morte toda a alegria daquela família,

Lindinalva se entristeceu quando eles se casaram. Ela ficava dos jardins do Comendador a olhar o namoro da vizinha e no cravo que o rapaz jogava para a namorada ela tinha uma parte.

Aquele namoro era motivo romântico da rua. Depois casaram e Lindinalva que nunca conversara com a vizinha se sentiu mais isolada, mais solitária.

Amélia envelhecia na cozinha. Um ano depois de António Balduíno ter fugido, Lindinalva chorou a morte da mãe. O Comendador se dividia entre os negócios e os amores fáceis que arranjava.

Dera de beber (desgostos, diziam os vizinhos) e Lindinalva vivia abandonada no casarão, onde os gansos haviam morrido e as flores murchavam.

Lindinalva lia a história da Nau Catarineta e despetalava rosas. Um dia seu noivo chegara num navio. Lindinalva sonhou tanto com isso que não teve surpresa quando soube que Gustavo (Dr. Gustavo Barreiras, advogado, das melhores famílias da capital) chegara há pouco do Rio trazendo uma carta de bacharel e uma vontade decidida de fazer fortuna.

Foi advogado do Comendador num negócio e assim conheceu Lindinalva. As sardas do rosto se não deixavam Lindinalva ser bonita, a tornavam esquisita. E corpo magro de seios altos e pontudos tentavam os olhos do advogado.

O noivado correu risonho e a Travessa Zumbi dos Palmares adquiriu nova vida. Andavam de passeio de braço dado e ele dizia coisas românticas.

Do grande sobrado defronte as papoilas se debruçavam no muro para ver os namorados. Papoilas vermelhas, carnudas como lábios.

Ele disse uma vez:

 - As papoilas convidam ao pecado… - e a beijara.

O vento baloiçava as papoilas. Lindinalva era tão feliz que esquecera o negro António Balduíno com quem sonhava nas noites de pesadelo.


Sonhava agora com o noivo, com uma casinha, um jardim com papoilas, muitas papoilas vermelhas como pecados…

Site Meter