Episódio Nº 164
A francesa faz um gesto com a mão. Que
importa? Todas estão mortas, o tango está dizendo. Eunice já disse. Ela não é
mais Lindinalva, a pálida Lindinalva que corria no Parque de Nazaré.
Ela está morta, seu filho está com
Amélia. Quando passa por Lulu a cafetina avisa que peça champanhe. A menina
morena volta do quarto com ar espantado e lágrimas nos olhos.
Os dois rapazes riem e trocam
impressões. Lindinalva pede champanhe. Depois, no quarto, o comerciante (comera
em sua casa) pergunta o que é que ela faz além do normal.
Mas estão todas mortas, já morreram
todas. Eunice bebe mais cachaça, o tango soluça. Foi assim a recepção de
Lindinalva.
Cedo ficou velha para pensões caras. Os
homens ricos não vão mais com ela. Agora a sua boca conserva sempre um travo
amargo da cachaça.
Eunice já foi para a rua de Baixo onde
as mulheres cobram cinco mil réis. Hoje é Lindinalva quem irá. Alugou o quarto
na mesma casa que Eunice.
Durante o dia foi ver o filho no
quartinho onde Amélia mora. Gustavinho está lindo, os grandes olhos vivos, a
boca carnuda como aquela flor vermelha de que Gustavo falava.
Lindinalva nem se recorda do nome. Agora
sabe palavras feias em francês e toda a gíria das mulheres da vida. Mas o
menino diz “mamãe, mamãe”, e ela se sente pura como uma virgem.
Conta histórias ao filho, histórias que
ouvira de Amélia noutros tempos quando ela era Lindinalva.
Na casa onde vai morar a mulher disse
que era Linda de agora em diante.
Conta ao filho a história de Maria
Borralheira e fica feliz, muito feliz. (Que bom se o mundo acabasse naquele
momento, se todos morressem)
Ficam na sala atrás das janelas
semi-abertas. Homens passam na rua e elas chamam. Uns entram, outros dizem
piadas, alguns apressados se levam embrulhos.
Eunice está bêbeda dizendo que já
morreu, que todos estão no inferno. A polaca velha se queixa da sua falta de
sorte. Na véspera não arranjara homem. Hoje tão pouco. Talvez tenha que ir para
a Ladeira do Taboão onde as mulheres cobram mil e qui nhentos,
fazem tudo e morrem depois.
Lindinalva está longe dali, está com o
filho no quarto pobre de Amélia. Ele sorri e diz “mamãe”. Vontade doida de
beijar os lábios carnudos do filho, de continuar a contar durante toda a vida a
história de Maria Borralheira.
A dona da pensão bota uma vitrola para
tocar na sala de jantar. Os peitos moles de Eunice aparecem sob a combinação.
Ela chama os homens da janela.
Gustavinho quando ficar rapaz talvez
passe nessas ruas. Quando isso se der, Lindinalva já terá morrido e ele não a
encontrará atrás da janela a chamar homens.
De Lindinalva ele guarda a recordação de
uma moça simples e bonita que contava histórias de Maria Borralheira.
Eunice está dizendo que estão todas
mortas. A polaca pede dois mil réis emprestados. Um rapaz de cabeleira atende
ao chamado de Lindinalva. Eunice diz:
-
Boa sorte, Linda – e suspende um cálice imaginário.
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