sábado, novembro 16, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 164

A francesa faz um gesto com a mão. Que importa? Todas estão mortas, o tango está dizendo. Eunice já disse. Ela não é mais Lindinalva, a pálida Lindinalva que corria no Parque de Nazaré.

Ela está morta, seu filho está com Amélia. Quando passa por Lulu a cafetina avisa que peça champanhe. A menina morena volta do quarto com ar espantado e lágrimas nos olhos.

Os dois rapazes riem e trocam impressões. Lindinalva pede champanhe. Depois, no quarto, o comerciante (comera em sua casa) pergunta o que é que ela faz além do normal.

Mas estão todas mortas, já morreram todas. Eunice bebe mais cachaça, o tango soluça. Foi assim a recepção de Lindinalva.


Cedo ficou velha para pensões caras. Os homens ricos não vão mais com ela. Agora a sua boca conserva sempre um travo amargo da cachaça.

Eunice já foi para a rua de Baixo onde as mulheres cobram cinco mil réis. Hoje é Lindinalva quem irá. Alugou o quarto na mesma casa que Eunice.

Durante o dia foi ver o filho no quartinho onde Amélia mora. Gustavinho está lindo, os grandes olhos vivos, a boca carnuda como aquela flor vermelha de que Gustavo falava.

Lindinalva nem se recorda do nome. Agora sabe palavras feias em francês e toda a gíria das mulheres da vida. Mas o menino diz “mamãe, mamãe”, e ela se sente pura como uma virgem.

Conta histórias ao filho, histórias que ouvira de Amélia noutros tempos quando ela era Lindinalva.

Na casa onde vai morar a mulher disse que era Linda de agora em diante.

Conta ao filho a história de Maria Borralheira e fica feliz, muito feliz. (Que bom se o mundo acabasse naquele momento, se todos morressem)

Ficam na sala atrás das janelas semi-abertas. Homens passam na rua e elas chamam. Uns entram, outros dizem piadas, alguns apressados se levam embrulhos.

Eunice está bêbeda dizendo que já morreu, que todos estão no inferno. A polaca velha se queixa da sua falta de sorte. Na véspera não arranjara homem. Hoje tão pouco. Talvez tenha que ir para a Ladeira do Taboão onde as mulheres cobram mil e quinhentos, fazem tudo e morrem depois.

Lindinalva está longe dali, está com o filho no quarto pobre de Amélia. Ele sorri e diz “mamãe”. Vontade doida de beijar os lábios carnudos do filho, de continuar a contar durante toda a vida a história de Maria Borralheira.

A dona da pensão bota uma vitrola para tocar na sala de jantar. Os peitos moles de Eunice aparecem sob a combinação. Ela chama os homens da janela.

Gustavinho quando ficar rapaz talvez passe nessas ruas. Quando isso se der, Lindinalva já terá morrido e ele não a encontrará atrás da janela a chamar homens.

De Lindinalva ele guarda a recordação de uma moça simples e bonita que contava histórias de Maria Borralheira.

Eunice está dizendo que estão todas mortas. A polaca pede dois mil réis emprestados. Um rapaz de cabeleira atende ao chamado de Lindinalva. Eunice diz:


 - Boa sorte, Linda – e suspende um cálice imaginário.

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