sábado, novembro 30, 2013

Quem é?- Um estivador que já jogou boxe...
JUBIABÁ

Episódio Nº 177




O negro que discursava sorri. Está falando um representante dos estudantes. O sindicato dos estudantes de direito estava solidário com os grevistas.

Dizia no seu discurso que todos os operários, os estudantes, os intelectuais pobres, os camponeses e os soldados se deviam unir na luta contra o capital.

António Balduíno não o entendeu muito bem. Mas o negro que discursou lhe explica que o capital e ricos quer dizer a mesma coisa. Ele então apoia o orador.

De repente sente vontade de subir numa cadeira e falar também. Ele também tem o que dizer, ele já viu muita coisa. Fura pela sala e trepa numa cadeira. Um operário pergunta a outro:

 - Quem é?

 - Um estivador… Um que já jogou boxe…

António Balduíno fala. Ele não está fazendo discurso, gente. Está é contando o que viu na sua vida de malandro. Narra a vida dos camponeses nas plantações de fumo, o trabalho dos homens sem mulheres, o trabalho das mulheres nas fábricas de charuto.

Perguntem ao Gordo se pensarem que é mentira. Conta o que viu. Conta que não gostava de operário, de gente que trabalhava. Mas foi trabalhar por causa do filho. E agora via que os operários se quisessem não seriam escravos. Se os homens de plantações de fumo soubessem também fariam greve…

Quase é carregado. Não tomou ainda perfeito conhecimento de seu triunfo. Por que o aplaudem assim? Ele não contou nenhuma história bonita, não bateu em ninguém, não fez um acto de coragem.

Contou somente o que viu. Mas os homens o aplaudem e muitos o abraçam quando ele passa. Um investigador o fita procurando não esquecer aquela cara. Cada vez António Balduíno gosta mais da greve.


O rapaz de óculos se retira e um investigador o segue. Do telefone do governo telefonam para o sindicato. É o doutor Gustavo Barreiras avisando que a conferência se prolongará até à noite quando terão possivelmente uma solução.

 - Favorável? – pergunta o secretário do sindicato.

 - Honrosa… - responde o dr. Gustavo do outro lado do fio.

Os sinos batem seis horas. A cidade está às escuras.


PRIMEIRA NOITE DA GREVE


A noite é bela, não há nuvens no céu que está azul e cheio de estrelas. Parece uma noite de verão. No entanto os homens se recolhem e não sairão nesta noite a passear. É que a cidade está às escuras, nem uma lâmpada brilha nos altos postes pretos. Até a lâmpada da “Lanterna dos Afogados” se apagou.

O cais nunca esteve tão silencioso. Os guindastes dormem porque nesta noite os estivadores não virão trabalhar. A marinhagem do navio sueco se estende pelas casas das mulheres da vida.

Também nas ruas da cidade não há movimento. Os homens ficam receosos quando a luz falta. Dentro das casas a luz vermelha das lamparinas aumenta as sombras. E a luz baça das velas lembra sentinelas de mortos queridos.

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