Quem é?- Um estivador que já jogou boxe... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 177
O negro que discursava sorri. Está
falando um representante dos estudantes. O sindicato dos estudantes de direito
estava solidário com os grevistas.
Dizia no seu discurso que todos os
operários, os estudantes, os intelectuais pobres, os camponeses e os soldados
se deviam unir na luta contra o capital.
António Balduíno não o entendeu muito
bem. Mas o negro que discursou lhe explica que o capital e ricos quer dizer a
mesma coisa. Ele então apoia o orador.
De repente sente vontade de subir numa
cadeira e falar também. Ele também tem o que dizer, ele já viu muita coisa.
Fura pela sala e trepa numa cadeira. Um operário pergunta a outro:
-
Quem é?
-
Um estivador… Um que já jogou boxe…
António Balduíno fala. Ele não está
fazendo discurso, gente. Está é contando o que viu na sua vida de malandro.
Narra a vida dos camponeses nas plantações de fumo, o trabalho dos homens sem
mulheres, o trabalho das mulheres nas fábricas de charuto.
Perguntem ao Gordo se pensarem que é
mentira. Conta o que viu. Conta que não gostava de operário, de gente que
trabalhava. Mas foi trabalhar por causa do filho. E agora via que os operários
se qui sessem não seriam escravos. Se
os homens de plantações de fumo soubessem também fariam greve…
Quase é carregado. Não tomou ainda
perfeito conhecimento de seu triunfo. Por que o aplaudem assim? Ele não contou
nenhuma história bonita, não bateu em ninguém, não fez um acto de coragem.
Contou somente o que viu. Mas os homens
o aplaudem e muitos o abraçam quando ele passa. Um investigador o fita
procurando não esquecer aquela cara. Cada vez António Balduíno gosta mais da
greve.
O rapaz de óculos se retira e um
investigador o segue. Do telefone do governo telefonam para o sindicato. É o
doutor Gustavo Barreiras avisando que a conferência se prolongará até à noite
quando terão possivelmente uma solução.
-
Favorável? – pergunta o secretário do sindicato.
-
Honrosa… - responde o dr. Gustavo do outro lado do fio.
Os sinos batem seis horas. A cidade está
às escuras.
PRIMEIRA NOITE DA GREVE
A noite é bela, não há nuvens no céu que
está azul e cheio de estrelas. Parece uma noite de verão. No entanto os homens
se recolhem e não sairão nesta noite a passear. É que a cidade está às escuras,
nem uma lâmpada brilha nos altos postes pretos. Até a lâmpada da “Lanterna dos
Afogados” se apagou.
O cais nunca esteve tão silencioso. Os
guindastes dormem porque nesta noite os estivadores não virão trabalhar. A
marinhagem do navio sueco se estende pelas casas das mulheres da vida.
Também nas ruas da cidade não há
movimento. Os homens ficam receosos quando a luz falta. Dentro das casas a luz
vermelha das lamparinas aumenta as sombras. E a luz baça das velas lembra
sentinelas de mortos queridos.
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