sexta-feira, dezembro 27, 2013

A greve o salvou...
JUBIABÁ

Episódio Nº 199






E quando Lindinalva morreu, ele que pensava que pensava que seu A B C já estava perdido, que nada mais faria, quis entrar pela estrada do mar para ser feliz como um morto.

Porém os homens do cais, os homens do mar, lhe ensinaram a greve. O mar lhe mostrou o caminho de casa. E ele olha para o mar verde, amarelado pela lua. De muito longe vem a voz de Maria Clara:


«A estrada do mar é larga, Maria…»


Um velho no cais deserto toca realejo. A musica vem em surdina e se espalha pelos saveiros, pelas canoas, pelos transatlânticos, pelo grande mar misterioso de António Balduíno.

Se não fosse a greve o mar engoliria o seu corpo numa noite em que a lua não brilhasse. Se não fosse a greve ele teria desistido de ser cantado num A B C, de ver Zumbi dos Palmares brilhando como Vénus.

Um vulto passa ao longe. Será Robert, o equilibrista, que desapareceu misteriosamente do circo? Mas pouco importa. A música do realejo é plangente.

A voz de Maria Clara se sumiu no mar. E amará Maria Clara à luz da lua. As ondas do mar molharão os corpos e assim e o amor ainda será melhor.

A areia alva do cais prateada com a lua. A areia prateada do cais onde o negro António Balduíno amou tantas mulatas que eram todas Lindinalva, a sardenta.

Se não fosse a greve o seu corpo de afogado seria depositado na areia e os siris chocalhariam como chocalhavam no corpo de Viriato, o Anão.

Brilha a luz de um saveiro. O vento levará até ele a melodia do realejo que o velho italiano toca?

Um dia - pensa António Balduíno – hei-de viajar, hei-de sair para outras terras.

Um dia ele tomará um navio, um navio como aquele holandês que está todo iluminado, e partirá pela estrada larga do mar.

A greve o salvou. Agora sabe lutar. A greve foi o seu A B C .

O navio vai largar. Os marinheiros souberam da greve, contarão em outras terras que os negros lutaram. Os que ficam dão adeuses. Os que vão limpam lágrimas. Porque chorar quando se parte?

Partir é uma aventura boa, mesmo quando se parte para o fundo mar como partiu Viriato, o Anão. Mas é melhor partir para a greve, para a luta.

Um dia António Balduíno partirá num navio e fará greve em todos os portos. Nesse dia dará adeus também.

Adeus, minha gente que eu já vou. Zumbi dos Palmares brilha no céu. Sabe que o negro António Balduíno não entrará mais pelo mar para a morte. A greve o salvou.

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