sábado, dezembro 21, 2013

Crianças passando fome...
JUBIABÁ

Episódio Nº 195




Ruiz anda de um lado para o outro, agitado:

 - Para que você se mete nisso? Você não entende disso…

 - E você que é tão bom… Parecia…

- Eu sou igual aos outros. Nem melhor nem pior.

Há um silêncio no quarto. Ouvem a respiração forte da filha que vem do quarto vizinho. Ruiz explica:

 - Você sabe o que eles querem?

 - Querem tão pouco…

 - Mas é preciso não dar nada. Se a gente der hoje esse aumento, amanhã quererão outro, depois mais outro, e um dia quererão as padarias…

 - Sei é que tem crianças com fome. E eles ganham mesmo uma miséria. Você nunca me falou que sabia destas coisas. E eu não sabia. Se eu soubesse…

 - Ruiz se irrita:

 - Se soubesse o que fazia? Você lá sabe de nada. Eu estou defendendo o seu automóvel, a sua casa, o colégio de Leninha. Você acha que eu devo trabalhar para esses canalhas?

 - Mas eles querem tão pouco, Ruiz. Não é possível que você goste de ver o sofrimento alheio.

- Eu não gosto de nada. Mas aqui não é uma questão de sentimentalismo. É coisa mais séria. Eu não sou eu, não tenho nada com os meus sentimentos. Eu sou o patrão, tenho que defender meus interesses. Se a gente ceder o pé, amanhã eles quererão a mão…

Você quer ficar sem automóvel, sem casa, sem criada para Leninha? Eu estou defendendo isso tudo, estou defendendo o que é nosso, nosso dinheiro… Defendo o seu conforto!

Anda pelo quarto. Pára diante da esposa:

- Então você pensa, Lena, que sinto prazer em saber que tem gente passando fome? Não sinto não. Mas na guerra como na guerra…

A respiração da filha vem do outro quarto. Crianças passando fome, crianças sem ter o que comer, chorando pelo jantar. E o marido ali achando tudo tão natural. O marido que ela sabe que é bom, incapaz de fazer mal a uma formiga.

Deve haver qualquer mistério nisto tudo, mistério que ela não entende. Mas as crianças estão passando fome. Quer dizer que se Ruiz não houvesse prosperado, seria Leninha que estaria passando fome.

Roga ao marido, entre lágrimas, que conceda o aumento.

 - É impossível minha filha. A única coisa que não posso lhe fazer.

E tenta explicar novamente que ali é uma guerra, que se ele der o pé eles tomarão a mão, um mês depois quererão outro aumento:

 - Hei-de sujeitá-los pela fome…

Vem para junto da esposa e estende a mão para alisar os seus cabelos:

- Não chore, Lena.

Passa os braços em torno dela. Crianças estão esfomeadas nos becos.

 - Não se aproxime de mim… Você é um miserável… Não se aproxime…

E fica soluçando, fica desgraçada, com piedade de si, com piedade do marido e com inveja dos grevistas.

E murmura no seu choro:

 - Crianças com fome… Crianças com fome…

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