Crianças passando fome... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 195
Ruiz anda de um lado para o outro,
agitado:
-
Para que você se mete nisso? Você não entende disso…
-
E você que é tão bom… Parecia…
- Eu sou igual aos outros. Nem melhor
nem pior.
Há um silêncio no quarto. Ouvem a
respiração forte da filha que vem do quarto vizinho. Ruiz explica:
-
Você sabe o que eles querem?
-
Querem tão pouco…
-
Mas é preciso não dar nada. Se a gente der hoje esse aumento, amanhã quererão
outro, depois mais outro, e um dia quererão as padarias…
-
Sei é que tem crianças com fome. E eles ganham mesmo uma miséria. Você nunca me
falou que sabia destas coisas. E eu não sabia. Se eu soubesse…
-
Ruiz se irrita:
-
Se soubesse o que fazia? Você lá sabe de nada. Eu estou defendendo o seu automóvel,
a sua casa, o colégio de Leninha. Você acha que eu devo trabalhar para esses
canalhas?
-
Mas eles querem tão pouco, Ruiz. Não é possível que você goste de ver o
sofrimento alheio.
- Eu não gosto de nada. Mas aqui não é uma questão de sentimentalismo. É coisa
mais séria. Eu não sou eu, não tenho nada com os meus sentimentos. Eu sou o
patrão, tenho que defender meus interesses. Se a gente ceder o pé, amanhã eles
quererão a mão…
Você quer ficar sem automóvel, sem casa,
sem criada para Leninha? Eu estou defendendo isso tudo, estou defendendo o que é
nosso, nosso dinheiro… Defendo o seu conforto!
Anda pelo quarto. Pára diante da esposa:
- Então você pensa, Lena, que sinto
prazer em saber que tem gente passando fome? Não sinto não. Mas na guerra como
na guerra…
A respiração da filha vem do outro
quarto. Crianças passando fome, crianças sem ter o que comer, chorando pelo
jantar. E o marido ali achando tudo tão natural. O marido que ela sabe que é
bom, incapaz de fazer mal a uma formiga.
Deve haver qualquer mistério nisto tudo,
mistério que ela não entende. Mas as crianças estão passando fome. Quer dizer
que se Ruiz não houvesse prosperado, seria Leninha que estaria passando fome.
Roga ao marido, entre lágrimas, que
conceda o aumento.
-
É impossível minha filha. A única coisa que não posso lhe fazer.
E tenta explicar novamente que ali é uma
guerra, que se ele der o pé eles tomarão a mão, um mês depois quererão outro
aumento:
-
Hei-de sujeitá-los pela fome…
Vem para junto da esposa e estende a mão
para alisar os seus cabelos:
- Não chore, Lena.
Passa os braços em torno dela. Crianças
estão esfomeadas nos becos.
-
Não se aproxime de mim… Você é um miserável… Não se aproxime…
E fica soluçando, fica desgraçada, com
piedade de si, com piedade do marido e com inveja dos grevistas.
E murmura no seu choro:
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