sexta-feira, janeiro 24, 2014

AS MULHERES

DE HOJE




Cada um de nós é o produto da época e da sociedade em que nasce e em 1939 a sociedade portuguesa era dominada pelos homens, pelo menos na aparência, porque na intimidade dos lares, muitas vezes, eram as mulheres que decidiam e organizavam tudo ainda que de forma oculta e sub-reptícia para salvaguardar as aparências de uma sociedade machista e patriarcal.

Na família onde nasci o”homem” da casa era a minha mãe. Era ela que educava os filhos para além, já se vê, de tratar deles na saúde e na doença. Comandava, igualmente, o exército das criadas que chegaram a ser três: a cozinheira, a de “fora” e a dos “meninos” e organizava tudo desde os “assaltos” lá em casa (17 assoalhadas) pelo Carnaval, enquanto que o meu pai passava discreto por aquele autentico turbilhão de energia que era a minha mãe.

Quando, no pós guerra, o meu pai comprou o Vauxhall,  ela tirou a carta de condução em pouco mais de 20 lições e sujeitou-se a ouvir toda a espécie de piropos quando conduzia na baixa lisboeta desde o clássico “vai cozer meias” que era, por excelência, a tarefa que os homens reservavam às mulheres para as humilhar e castigar pelo atrevimento e ousadia em desempenharem funções que as promoviam socialmente, que era, ao fim e ao cabo, o grande pecado.

Não seria este o panorama geral dos lares e das mulheres portuguesas na década de 40 e esta é mais uma razão para uma palavra de elogio à minha mãe pela coragem e arrojo necessários para escandalizar a sociedade da sua época com comportamentos que incluíam também o de fumar e que, de há muito, fazem parte do dia a dia de todas as portuguesas.

Mas estamos agora a assistir a um autêntico volte-face desta situação que se prolongou demasiado no nosso país com resultado de uma moral e costumes impostos pelo medo e à força por um regime bolorento que só terminou em 25 de Abril.

E foi pena que assim tivesse acontecido porque a marcha de uma sociedade não deve ser retida artificialmente, barrada no seu percurso natural determinado pelas influências normais que se desencadeiam no seu seio permitindo que a adaptação a novos comportamentos possam ser feitos de uma forma crítica, gradual e sem traumas.

Não foi assim que aconteceu. Registaram-se quebras abruptas de princípios e valores arrastados na enxurrada da revolução dos cravos comprovando que os malefícios dos regimes de força constituem uma chaga social que dura enquanto eles existem e perduram ainda durante muitos anos depois de terminarem.

Mas, esquecendo agora a minha mãe que talvez não sirva de exemplo, sempre me pareceu injusto, face à responsabilidade e ao volume de trabalho que recaíam sobre a mulher, o papel subalterno que o homem lhe reservava.

Hoje, quando vejo as Universidades, maioritariamente preenchidas por alunos do sexo feminino, quando entro num Serviço Público e me apercebo que a maioria esmagadora dos funcionários, incluindo as chefias, são mulheres e quando, nos ecrãs da TV, me aparece uma jovem loura a falar na qualidade de responsável máxima da PSP de Lisboa, vem-me à memória o que era a sociedade portuguesa nos tempos idos da minha meninice e compreendo, então, que os privilégios que os homens, ciosamente, reservavam para si, tinham a ver com a percepção sentida de que, em termos de competição pura, seriam facilmente ultrapassados.

Ana Paula Vitorino, engenheira civil, Secretária de Estado dos Transportes em Março de 2005, foi a primeira mulher escolhida para ditar as políticas públicas nos sectores marítimo-portuários, logístico, ferroviário, transportes urbanos e ferroviários.

Reuniu-se, a propósito do Dia Internacional da Mulher, com as suas 14 líderes de primeira linha e a sua preocupação é de ainda não existirem mulheres nos Conselhos de Administração da CP, da Refer, do Metro de Lisboa e do Porto o que, provavelmente, em breve poderá acontecer.

Kjell Nordstrom, Guru do ano 2000 e que há quase uma década teoriza sobre a vantagem competitiva das mulheres explica-nos a razão desta evolução:

-“As mulheres adequam-se melhor às características das sociedades modernas, urbanas, democráticas e igualitárias onde as pessoas são reconhecidas pelo mérito do seu desempenho”.

E acrescenta:

-Mas agora entrámos verdadeiramente noutra fase, em que as aptidões e os perfis procurados são muito mais femininos, privilegiando a maior capacidade de gerir tensões e coligações de forma pacífica e eficaz, sem transformar o mínimo atrito numa competição agressiva”.

-Um bom exemplo é dado pela Chanceler alemã Ângela Merkl e pelo seu hercúleo trabalho a gerir a coligação política que governa a Alemanha.

Lembram-se do papel pacificador que as mulheres desenvolviam com toda a diplomacia e descrição no seio das grandes famílias patriarcais do século XIX?

Sem esquecermos a nossa 1º Ministro, Maria de Lurdes Pintassilgo que muito honrou a nossa classe política de governantes, o nosso país não pode equiparar-se, neste aspecto, aos nórdicos onde, por exemplo, na Noruega, o governo tem 50% de mulheres.

Tradicionalmente, os homens latinos desempenharam um papel muito apagado na criação dos filhos e esta realidade reduziu-os na sua dimensão humana, na sua capacidade de decisão a todos os níveis e tornou-os menos responsáveis.

Quem hoje é avô depois de ter sido pai há 40 anos atrás compreende melhor este ponto de vista.

São, pois, profundas as alterações que estão a acontecer na estrutura da sociedade contemporânea e o homem se quiser desenvolver características que nas mulheres são natas e que hoje as tornam importantes para liderar a gestão moderna há que começar a treinar, como hoje já fazem muitos jovens pais, na criação e educação dos seus filhos desde o nascimento em paralelo com as mães.

Caso contrário, estaremos a evoluir para uma sociedade de cotas para homens, na melhor das hipóteses. Na pior vejam só qual é o papel dos machos na sociedade das hienas…

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