quinta-feira, janeiro 09, 2014

Para quê levar o defunto para casa?...
A MORTE

E A MORTE

DE QUINCAS

BERRO

DÁGUA

Episódio Nº 7


Doutor jovem, ainda sem experiência de vida. Mediu Vanda, seu vestido de dia de festa, sua limpeza, os sapatos altos. Espiou o morto de pobreza sem medida, o quarto de desmedida miséria.

 - E ele vivia aqui?

 - Fizemos tudo para que voltasse para casa. Era…

 - Maluco?

Vanda abriu os braços, estava com vontade de chorar. O médico não insistiu. Sentou-se na beira da cama, começou o exame. Suspendeu a cabeça e disse:

 - Ele está rindo, hem? Cara de debochado.

Vanda fechou os olhos, apertou as mãos, o rosto vermelho de vergonha.


V


O conselho de família não durou muito tempo. Discutiram na mesa de um restaurante na Baixa do Sapateiro.

Pela rua movimentada passava a multidão, álacre e apressada. Bem em frente, um cinema. O cadáver ficara entregue aos cuidados de uma empresa funerária, propriedade de um amigo do tio Eduardo, 20% de abatimento.

Tio Eduardo explicava:

 - Caro mesmo é o caixão. E os automóveis se for acompanhamento grande. Uma fortuna. Hoje não se pode nem morrer.

Ali por perto haviam comprado uma roupa nova, preta (a fazenda não era grande coisa, mas como dizia Eduardo, para ser comida pelos vermes estava até boa de mais), um par de sapatos também pretos, camisa branca, gravata, par de meias.

Cuecas não eram necessárias. Eduardo anotava num caderninho cada despesa feita. Mestre na economia, seu armazém prosperava.

Nas mãos hábeis de especialistas da agência funerária, Quincas Berro Dágua ia voltando a ser Joaquim Soares da cunha, enquanto os parentes comiam peixada no restaurante e discutiam sobre o enterro.

Discussão mesmo só houve em torno de um detalhe: donde sair o caixão.

Vanda pensara levar o cadáver para casa, realizar o velório na sala, oferecendo café, licor e bolinhos aos presentes durante a noite.

Chamar padre Roque para a encomendação do corpo. Realizar o enterro pela manhã cedo, de tal maneira que pudesse vir muita gente, colegas de Repartição, velhos conhecidos, amigos da família.

Leonardo opusera-se. Para que levar o defunto para casa?


Para que convidar vizinhos e amigos, incomodar um bocado de gente? Só para que todos eles ficassem recordando as loucuras do finado, sua vida inconfessável dos últimos anos, para expor a vergonha da família ante todo o mundo?

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