terça-feira, janeiro 14, 2014

Raízes da Religião
(continuação)





Será a religião irracional um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento?

É verdade que a fé religiosa tem aspectos em comum com o enamoramento (e ambos têm muitas das características da euforia induzida por uma droga viciante). O neuropsiquiatra John Smythies adverte para o facto de haver diferenças significativas entre as áreas do cérebro activadas pelos dois tipos de mania. Contudo, observa também algumas semelhanças:

 - Uma faceta das muitas faces da religião é o amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da veneração de ícones dessa pessoa. A vida humana é, em grande parte, impelida pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço.

É grande o reforço de tipo positivo originado pela religião: sentimentos reconfortantes e calorosos por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte, auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.

De igual modo, o amor romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma concentração intensa no outro e reforços positivos. Estes sentimentos podem ser desencadeados por ícones do outro, tal como cartas, fotografias e mesmo madeixas de cabelo, como se usava na época vitoriana.

O estado de enamoramento faz-se acompanhar de inúmeras manifestações fisiológicas, como por exemplo, suspirar longa e repetidamente.

Fiz a comparação entre enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um indivíduo infectado pela religião «podem ser surpreendentemente reminiscentes daqueles que habitualmente associamos ao amor sexual.

Trata-se de uma força extremamente potente que há no cérebro e não admira que alguns vírus tenham evoluído no sentido de a explorar (vírus, neste contexto é uma metáfora para religiões.)

O filósofo Anthony Kenny (ordenado padre, regressa depois à sua condição laica por se ter tornado agnóstico) dá um testemunho comovente do grande deleite daqueles que conseguem acreditar no mistério da transubstanciação (acreditar na presença real de Cristo na eucaristia).

Depois de descrever a sua ordenação como padre católico habilitado a celebrar missa pela imposição das mãos, recorda vividamente a exaltação dos primeiros meses em que deteve o poder de rezar missa. Ele próprio diz:

 - "Normalmente era lento e preguiçoso a levantar-me pela manhã, agora saltava cedo da cama, bem desperto e muito entusiasmado só de pensar no momentoso acto que tinha o privilégio de desempenhar…

O tocar o corpo de Cristo, a proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me enlevava. Olhava fixamente para a hóstia depois das palavras da consagração, de olhar lânguido como um amante que mira os olhos da sua amada."

O equivalente da reacção das traças à bússola luminosa é o hábito aparentemente irracional, e no entanto útil, de nos apaixonarmos por um, e só um, membro do sexo oposto.

O subproduto falhado – o equivalente a voarmos na direcção da chama – é apaixonarmo-nos por Javé (ou pela Virgem Maria, ou por uma rodela de batata, ou por Alá) e levar a cabo actos irracionais motivados por esse amor.
(continua)
Richard Dawkins

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