A mulata Balbina, resmungando, ajeitou-se no leito... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 16
Não subiria mais uma ponte de comando, para ele tudo terminara, fizera uma promessa solene sobre o túmulo de Dorothy. Pela primeira e última vez mandara gravar no braço um nome de mulher. Suspendia a manga da camisa, mostrava a tatuagem: o nome de Dorothy e um coração.
Baixou a manga, voltou-se para a janela,
de costas para os amigos. Tiveram a sensação de ouvir, um soluço estrangulado.
Saíram juntos, em sussurrados boas-noites comovidos, Zequi nha
tomou a mão do comandante e apertou-a com calor e solidariedade. Cada um deles
levava Dorothy consigo, sua busca de amor, sua imitação, a imagem inesquecível.
Sozinho, o comandante apagou as luzes da
sala. Preferira ter matado Dorothy, não havê-la enterrado naquele porto sujo, e
de febre. Bem podia tê-la desembarcado em terra mais civilizada, mas como pode
terminar um amor assim ávido e total, senão com a morte?
Andando pelo corredor, que uma réstia de lua
iluminava, revia a inqui eta e
angustiada Dorothy, com seus pés descalços no tombadilho - aquele fora o grande
momento! - os seios em oferenda a romper o decote da camisa, a boca sequi osa, o ventre de febre e uma brasa ardente.
Empurrou a porta do quarto da empregada,
tomou Dorothy pela mão, e a mulata Balbina, resmungando, ajeitou-se no leito,
fez para o comandante.
Onde o nosso narrador revela-se um tanto quanto salafrário.
Quem pode, neste mundo, escapar aos invejosos? Quanto mais se destaca um homem no conceito de seus concidadãos, quanto mais alta e respeitável sua posição, mais fácil alvo para a peçonha da inveja, contra ele se levantam, em vagalhões de infâmia, os oceanos da calúnia.
Nenhuma reputação, por mais ilibada, é
inatingível, nenhuma glória, por mais pura, é intocável. Tenho a prova diante
de mim: o Meritíssimo Dr. Alberto Siqueira honra e eleva Periperi ao habitar
entre nós, com seus títulos, seu saber, seu peito engomado de camisa, sua
fortuna.
Poderia, se qui sesse,
comprar casa na Pituba ou Itapoã, praias da moda, lá os grão - finos vivem e
veraneiam. No entanto prefere nosso subúrbio, onde poucos são capazes de
entender seus conceitos, sua prosa elevada, seus discursos com tantas palavras
de dicionário...
Preferência da qual devíamos todos nos
orgulhar, mantendo ante o Meritíssimo atitude de permanente agradecimento.
Em vez disso, o que ocorre? Falam o
diabo dele. Não importam os pareceres publicados nas revistas especializadas,
sentenças luminosas ditadas pelo Dr. Siqueira.
Já tive ocasião de percorrer com os olhos
vários números (encadernados em couro) da Revista dos Tribunais, onde peças jurídicas,
devidas ao saber do Meritíssimo, ocupam páginas. Julgar esses pareceres e essas
sentenças, não posso nem me atrevo, até aí não vai minha pretensão, metade das
linhas são escritas em latim, a outra metade em caixa-alta.
Mas não afirmou outro jurista, ao
comentar, no citado opúsculo, um parecer do nosso juiz, ser o Dr. Siqueira “um
luminar da ciência do Direito”?
Pois bem: nem mesmo tais provas
impressas, revistas de São Paulo e elogios federais, nada disso impede que
gente como Telêmaco Dórea, um reles aposentado da Prefeitura Municipal, cheio
de si porque publica uns - versos de pé-quebrado nos suplementos dos jornais da
Bahia, diga não passar o Meritíssimo de “uma cavalgadura total, indómita
burrice” (as expressões são do cretino do Dórea), a “maior nulidade do foro da
Bahia em todas as épocas”.
Eis aí até onde pode ir a falta de
respeito, a inveja a roer um homem... E o pior é que gente como Telêmaco Dórea
encontra quem o ouça e aprove, quem carregue lenha para sua fogueira de
misérias.
Todo um grupo de más-línguas corta na
vida do juiz, no passado e no presente. Não se contentam com negar-lhe o valor
evidente e aplaudido no sul do país, atacam sua honra de magistrado: venal,
venalíssimo, segundo eles.
Contam uma história, não muito clara, de
duas sentenças diferentes e opostas num mesmo caso, uma primeira contra as
pretensões de grande firma exportadora do nosso comércio, outra posterior
atendendo aos reclamos dos poderosos magnatas.
Não vejo nada a criticar no fato se novos
elementos, juntados aos autos, como explica o Meritíssimo, vieram modificar
profundamente a questão, invertendo os termos do problema.
Mas, segundo certa
gentinha de Periperi, esses “novos elementos” resumiram-se numa bolada de 500
contos de réis, meio milhão de cruzeiros, adicionados à conta bancária do Dr.
Siqueira e não aos autos do processo.
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